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Em gesto histórico, Funai pede desculpas às famílias de Bruno e Dom por difamações durante a presidência de Marcelo Xavier

Atalaia do Norte (AM), 27/02/2023 - Joenia Wapichana visita o Vale do Javari, anuncia retomada de ações de proteção a povos indígenas e lê carta de retratação a Bruno Pereira e Dom Phillips. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Atalaia do Norte (AM), 27/02/2023 - Joenia Wapichana visita o Vale do Javari, anuncia retomada de ações de proteção a povos indígenas e lê carta de retratação a Bruno Pereira e Dom Phillips. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Publicado por Opi

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A carta de retratação foi publicada no site da Fundação e lida pela presidenta Joenia Wapichana durante encontro promovido pela Univaja em Atalaia do Norte, onde os dois foram assassinados

O site da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) exibe em sua página inicial, desde ontem (28) uma correção de profundo significado histórico. A autarquia indigenista veio a público para apontar a “violência difamatória” e as “inverdades” publicadas pela própria Fundação contra a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Bruno Pereira e Dom Phillips, em uma nota do dia 10 de junho de 2022, que ficou famosa pela infâmia e agressividade contra a organização indígena e contra o indigenista e o jornalista, que então estavam desaparecidos no rio Itaquaí, perto de Atalaia do Norte, no Amazonas.

A retratação da Funai foi publicada no portal de notícias oficial e também foi lida, pela presidenta da Fundação, Joenia Wapichana, durante o encontro no Javari no dia 27 de fevereiro, que reuniu lideranças indígenas, a ministra dos povos indígenas Sonia Guajajara, o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Rodrigo Agostinho, a embaixadora do Reino Unido no Brasil, Stephanie Al Qaq e as víuvas de Bruno e Dom, Beatriz Matos e Alessandra Sampaio.

Carta de retratação foi divulgada ontem no portal oficial e em todas as redes sociais. Arte: Funai

A elaboração e divulgação da nota agora desmentida foram de responsabilidade do presidente anterior da Funai, o delegado de polícia Marcelo Xavier. Ele mesmo, durante aqueles dias de tensão em que não se sabia o paradeiro de Bruno e Dom, havia dado declarações mentirosas à imprensa tentando culpar as vítimas e manchar suas reputações. Mas não bastaram as ofensas faladas, ele também aprovou e mandou publicar uma nota oficial difamando o indigenista e o jornalista.

Xavier e a Funai mentiram ao dizer que Bruno e Dom não tinham autorização para entrar em terra indígena, mentira facilmente comprovada pelo fato de que nenhum dos dois estava em terra indígena quando desapareceram. Xavier e a Funai mentiram ao acusar ambos de não terem cumprido quarentena para entrar em terra indígena porque, ora, eles não entraram no território. Xavier e a Funai mentiram ao dizer que eles deveriam ter avisado sobre sua presença fora da área indígena, uma informação descabida por não haver nenhuma normativa legal nesse sentido.

Por todas essas inverdades e pela violência que representaram, a nota foi retirada do site da Funai por ordem da Justiça Federal do Amazonas, que classificou a publicação oficial de “violadora de direitos humanos”, “inoportuna”, “indevida” e que seu conteúdo não era “compatível com a realidade dos fatos e com as normas em vigor”. A nota era uma violência inadmissível para os familiares de Bruno e Dom, que viviam os piores momentos de suas vidas com os dois desaparecidos no Vale do Javari.

Agora, sob a presidência de Joenia Wapichana, a Funai reconhece que essa atuação do passado recente representa um “capítulo lamentável de sua história”. A carta de retratação lembra que os nomes de Bruno e Dom “foram insultados por autoridades públicas no momento mais difícil da vida de suas famílias e é dever do Estado brasileiro reconhecer a violência difamatória que sofreram, se desculpar com seus familiares e nunca mais permitir a repetição de atos dessa natureza”.

A Funai ressaltou que todos os crimes cometidos no Javari precisam ser apurados até o fim, inclusive o que vitimou Maxciel Pereira, indigenista morto em 2019 logo após participar de ações de fiscalização. Os dois principais responsáveis pela fiscalização na região foram mortos no intervalo de poucos anos, por isso as investigações precisam ser exemplares para apontar todos os envolvidos e desmontar as quadrilhas criminosas que integram.

O Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados de Recente Contato – Opi, organização fundada por Bruno Pereira, solidário às famílias dele e de Dom Philips, parabeniza a presidenta da Funai pela necessária coragem. O Opi espera que o reconhecimento das violações da gestão anterior não se resuma ao fundamental pedido de desculpa, mas que avance para a apuração de todos os atos ilegais e atentatórios aos direitos indígenas cometidos nos quatro anos de governo de Jair Bolsonaro e para a responsabilização de todos os envolvidos. Também é nossa expectativa que haja investimento governamental em ações efetivas de proteção da Terra Indígena Vale do Javari.

Leia a retratação publicada pela Funai na íntegra

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