Retirada de policiais obriga servidores responsáveis pela fiscalização a trabalharem sem segurança em cinco territórios nos estados do Mato Grosso, Maranhão e Amazonas
Servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) responsáveis pela fiscalização e monitoramento de grupos indígenas isolados em três estados amazônicos estão atuando sem proteção, por causa do vencimento das portarias que garantiam a presença da Força Nacional de Segurança Pública nas áreas onde trabalham. O problema afeta cinco terras indígenas: Kawahiva do Rio Pardo (MT), Piripkura (MT), Mamoriá (AM), Alto Turiaçu e Araribóia (MA).
O Opi (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato) enviou ofício à autoridades do governo federal, ao Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União e aos governadores dos estados do Mato Grosso, Amazonas e Maranhão informando a situação e solicitando providências. O documento também foi encaminhado ao coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá, para que adote as medidas que entender cabíveis.
O documento lembra que a presença da Força Nacional é fundamental para garantir a segurança dos servidores públicos que atuam nas Bases de Proteção Etnoambiental (Bapes) e que são responsáveis, por sua vez, pela proteção dos territórios e das vidas dos indígenas isolados que vivem nos territórios. Sem o policiamento, o trabalho dos funcionários se torna mais arriscado e as vidas dos indígenas ficam mais vulneráveis a ataques de invasores.
O ofício menciona o recente assassinato (em 15 de junho), no Tocantins, de Sidiney de Oliveira, brigadista do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), que atuava na proteção de isolados na região da Ilha do Bananal. Entre 2019 e 2022, houve três assassinatos de pessoas que atuavam na proteção de indígenas isolados na Amazônia Brasileira, inclusive o de Bruno Pereira, no Vale do Javari.
Somando as cinco terras indígenas que estão sem proteção da Força Nacional, são mais de 1 milhão de hectares de florestas onde vivem grupos isolados Piripkura, Kawahiva e Awá. Nas terras indígenas Kawahiva do Rio Pardo e Piripkura, no MT, a proteção é feita pela Frente de Proteção Etnoambiental Madeirinha-Juruena. Segundo dados do estudo Cartografias da Violência na Amazônia de 2023, o município de Colniza, onde estão situadas as duas terras, está entre os 15 municípios mais violentos da região. Nos últimos anos, os servidores da Frente enfrentaram diversas ameaças. Em 2018, um grupo de madeireiros invadiu a base de proteção Kawahiva e houve uma morte.
Nas terras indígenas Alto Turiaçu e Araribóia, no Maranhão, vivem milhares de indígenas Kaapor, Tembé, Awá Guajá e Guajajara, em situação de permanente tensão pela presença de invasores, sobretudo madeireiros e garimpeiros. Nos últimos anos foram assassinados indígenas Ka’apor e Guajajara que atuam como guardiões dos territórios. Na TI Araribóia tem ocorrido operações da Polícia Federal para combater a criminalidade, mas sem a presença da Força Nacional, o esforço pode ser perdido. A Frente de Proteção planeja a instalação de uma nova base para fortalecer as ações de fiscalização, mas até os trabalhos de construção civil ficaram perigosos pela ausência de policiamento.
A terra indígena Mamoriá é lar de grupos de isolados que tiveram a presença confirmada em 2021, mas ainda não foi iniciado o processo de demarcação nem estabelecida a restrição de uso, o que aumenta a vulnerabilidade dos indígenas. A proteção da área é responsabilidade da Frente de Proteção Etnoambiental Madeira-Purus e, além de enfrentar a situação de insegurança jurídica e administrativa, os servidores têm que lidar com a insegurança física pela ausência do policiamento.
“O apoio da Força Nacional à Funai nas ações de fiscalização, monitoramento e proteção territorial nos territórios indígenas vem sendo empregado com frequência e tem se mostrado um recurso eficaz no sentido de prevenir atos de violência e violações contra servidores públicos, defensores de direitos humanos, povos indígenas e seus territórios”, diz o documento do Opi. A não renovação das portarias que garantem a presença da Força configura ameaça direta para a segurança das atividades desenvolvidas pela Funai na preservação da vida das populações indígenas e do meio ambiente dessas regiões.
O documento do Opi foi enviado ao Ministério da Justiça, ao Ministério dos Povos Indígenas, à Funai, ao Ministério Público Federal, à Apib e aos governadores do Mato Grosso, Mauro Mendes, do Maranhão, Carlos Brandão Júnior, e do Amazonas, Wilson Lima.