Quem são
os povos
indígenas
isolados:

Os povos indígenas isolados são os que optam por viver de forma que impossibilita contatos diretos, diálogos próximos, reuniões, assembléias ou audiências. Vivem de forma fisicamente apartada de outros coletivos, o que não significa necessariamente que haja ausência de relações. Muitas vezes eles fazem advertências inequívocas de que rejeitam o contato. Deixam propositalmente vestígios, tapagens e armadilhas, recados explícitos de negação à invasão e destruição de seus territórios¹Ver Pereira, 2018.. A própria decisão de fuga e de rechaço a contatos forçados é uma clara expressão dessa vontade. Na política pública da Fundação Nacional dos Povos Indígenas – Funai são referidos pela sigla PIIRC (Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato)

No Brasil, o Estado reconhece a existência de 114 registros da presença destes povos, sendo que destes, 28 têm sua existência oficialmente confirmada, após um processo de localização que deve ser feito por técnicos especializados. Portanto, 86 registros oficialmente considerados ainda carecem de pesquisas, permanecem “por confirmar”, o que eleva, portanto, os níveis de vulnerabilidade desses grupos. É importante lembrar que muitas lideranças, povos e suas organizações, apontam essa presença para além dos dados oficiais registrados, sistematizados e apresentados pela Funai. Por isso, esse número de grupos isolados pode ser expressivamente maior do que o que é registrado oficialmente.

Há 114 registros
de povos isolados
no Brasil, a maior
concentração
no mundo.

São pelo menos 20 as terras indígenas (TIs) com a presença oficialmente confirmada desses povos, o que representa 23% do total de superfície das TIs no País. Das 10 TIs mais desmatadas entre 2008 a 2021, em 7 há registros de isolados²A partir de dados de desmatamento fornecidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).. Há mais de uma dezena de TIs com seus processos de demarcação pendentes ou paralisados. São pelo menos 40 registros da presença de indígenas isolados fora da proteção de TIs, sendo que aproximadamente 15 encontram-se em regiões com altas taxas de desmatamento³Ver Opi, 2020.. Que fique claro, o fenômeno de “isolamento” não é exceção, é mais comum do que se pensa.

Desde 1987, o Estado brasileiro possui uma política pública específica para esses povos, pautada pelo respeito à condição de “isolamento”, considerando essa postura expressão máxima de suas vontades. É um direito reconhecido pela Constituição Federal de 1988.

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Povos isolados
no cenário
internacional

Conforme as Nações Unidas e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, são povos ou segmentos de povos indígenas que não mantêm contatos regulares com a população majoritária e que também costumam evitar todo o tipo de contato com pessoas de fora de seu grupo.

Não obstante o conceito estabelecido de “isolados”, há uma grande diversidade de contextos de “isolamento”, desde pequenos grupos sobreviventes de sucessivos massacres e que, por isso, evitam a qualquer custo aproximações com outras pessoas, até povos demograficamente expressivos que estabelecem relações intermitentes e à distância com outros povos circunvizinhos, seja por meio de relações de guerra, saques ou vestígios propositalmente produzidos, além de outras formas de interação.

Na América
do Sul, 185 registros

Registros de Povos Indígenas Isolados

Fonte: GTI-Piaci

O fenômeno do “isolamento” ocorre sobretudo na região amazônica, em regiões de difícil acesso, em função de suas características geográficas, ambientais, e do processo histórico de colonização. Registra- se a presença desses grupos também no Cerrado brasileiro e na região do Gran Chaco entre o Paraguai e a Bolívia.

Ao todo, na América do Sul, são 185 registros da presença de povos em situação de isolamento. Destes, 66 registros estão confirmados e 119 ainda por confirmar.

Em geral, os povos em situação de isolamento estão submetidos a contextos específicos de vulnerabilidade, tal como o sócio-epidemiológico, em função da falta de memória imunológica a determinadas doenças.. O que para nós é uma simples gripe, para eles pode acarretar em fulminantes processos de adoecimento e morte.

É fundamental que nossa sociedade compreenda que os povos isolados optam por essa condição de vida, fundamentados seja por experiências de contato traumáticas que ocorreram no passado, ou por outros processos decisórios internos que visam, sobretudo, diminuir seu grau de vulnerabilidade com relação ao contato e interação com a sociedade que os rodeia.

Atualmente, as diretrizes e marcos legais nacionais e internacionais existentes garantem e protegem a decisão dos povos isolados de assim permanecerem. Para isso, é importante que seja garantido o usufruto exclusivo sobre seus territórios. Os povos isolados dependem exclusivamente da caça, da pesca e da coleta empreendida em seus territórios. Portanto, qualquer ação que impacte negativamente as condições ambientais desses territórios coloca-os em real risco de genocídio.

É importante compreender que esses povos são nossos contemporâneos, sujeitos aos mesmos processos ecológicos e históricos que nos afligem e, dos quais, fazemos parte. O que os diferencia de outros povos indígenas, de uma forma geral, é a maior seletividade e controle de interações que estabelecem com outras pessoas.

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Povos Indígenas
isolados
no Brasil:
onde estão?

No Acre, a Frente de Proteção Etnoambiental Envira (FPEE) da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) trabalha oficialmente com oito referências de indígenas isolados no estado do Acre, sendo 6 “confirmadas” e duas em “estudo”. Três delas se referem a grupos isolados Mashco-Piro, que ocupam uma extensa área de cabeceiras de rios na região da fronteira Brasil-Peru. Os registros de povos isolados no Acre estão localizados nas TI Mamoadate, TI Kampa e Isolados do Rio Envira, TI Riozinho do Alto Envira, TI Jaminawa-Envira, TI Kaxinawá do Rio Humaitá, TI Kulina do Rio Envira, TI Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu, TI Alto Tarauacá (exclusiva para povos isolados) e TI Igarapé Taboca Alto Tarauacá (em situação de Restrição de Uso). Também existem registros nas Unidades de Conservação Parque Estadual Chandless, Estação Ecológica do Rio Acre e Parque Nacional Serra do Divisor.

O estado do Amazonas é o que concentra o maior número de registros da presença de povos indígenas isolados. Há indícios e comprovação de sua existência praticamente em todas as regiões do estado. Na TI Vale do Javari, localizada na fronteira com o Peru, é onde encontramos o maior conjunto conhecido desses povos no país. No estado do Acre também há grande presença de povos indígenas isolados. O corredor formado pelo Acre e os departamentos de Ucayali, Madre Dios e Cuzco, no Peru, configura-se como um território ocupado por uma imensa diversidade de povos isolados ou de recente contato (ou contato inicial).

Em Roraima registra-se a presença de povos isolados na Terra Indígena Yanomami, região de fronteira com a Venezuela, e na Terra Indígena Waimiri Atroari. Especificamente sobre o povo indígena isolado de presença confirmada na TI Yanomami, ressalta-se que seu território está gravemente invadido e depredado pela atividade garimpeira, portanto em situação de extrema vulnerabilidade.

No estado de Rondônia há casos emblemáticos de violação dos direitos indígenas, como é o caso dos Akuntsu e Kanoê na Terra Indígena Omerê; e do “índio do Buraco”, na Terra Indígena Tanaru, recentemente falecido. Esses povos foram dizimados em sucessivos massacres ocorridos durante a implementação de projetos de colonização e de desenvolvimento econômico em Rondônia, entre as décadas de 1970 e 1990. Foi em Rondônia, também, que ocorreu a demarcação, no início da década de 1990, da primeira terra indígena para usufruto exclusivo de um povo indígena isolado: a TI Massaco. Há também a Terra Indígena Uru Eu Wau Wau onde, além dos povos Amondawa, Jupaú e Oro Win, resistem pelo menos dois povos indígenas isolados. Desde o início do processo de demarcação no final da década de 1980, essa terra indígena sofre uma intensa pressão e há extensas áreas invadidas por grileiros, motivo pelo qual registra altas taxas de desmatamento. Por isso, na TI Uru Eu Wau Wau está pendente há anos o processo de desintrusão das áreas invadidas.

A região abrangida pelo oeste do estado do Maranhão é território tradicional Awá. Entre as décadas de 1970 e 1990 foram contatados diversos pequenos grupos no contexto do avanço da colonização na região e da construção da ferrovia Carajás. É reconhecida pelo Estado a presença de grupos isolados na região, localizados nas Terras Indígenas Caru e Araribóia. Há ainda a possibilidade da presença de um grupo remanescente isolado na Terra Indígena Awá e na Reserva Biológica do Gurupi.

No Pará também há um grande número de informações apontando para a presença de povos isolados, desde o norte, na fronteira com as duas Guianas, Suriname e o estado do Amapá, até a região central do estado, na região do médio rio Xingu – inclusive no contexto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, onde está a Terra Indígena Ituna-Itatá, protegida por portaria de Restrição de Uso. A possível presença de indígenas isolados é registrada também no sul do Pará, na bacia do alto rio Xingu – nas Terras Indígenas Kayapó, Menkragnoti; e nas regiões do médio e alto rio Tapajós.

No noroeste do Mato Grosso é confirmada a existência de pelo menos dois povos isolados, ambos de filiação linguística Tupi-Kawahiva, sobreviventes de massacres. Vivem historicamente acuados em seu próprio território, em constante processo de fuga diante da ação de madeireiros e da grilagem de terras para formação de fazendas de gado, nas TIs Kawahiva do Rio Pardo e Piripkura. Além desses dois grupos confirmados, há uma série de indícios recorrentes da presença provável de outros povos indígenas isolados, tal como na TI Apiaká do Pontal e Isolados. No Tocantins são reiterados historicamente os relatos da presença de grupos isolados Avá na região compreendida pela ilha do Bananal e arredores, em especial na TI Inãwébohona.

No estado de Goiás (GO) é conhecida a história de massacres, de fuga e de resistência do povo Avá Canoeiro e há também relatos apontando a presença de grupos ainda isolados na macrorregião da Chapada dos Veadeiros, em específico no município de Cavalcante.

No Acre, a Frente de Proteção Etnoambiental Envira (FPEE) da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) trabalha oficialmente com oito referências de indígenas isolados no estado do Acre, sendo 6 “confirmadas” e duas em “estudo”. Três delas se referem a grupos isolados Mashco-Piro, que ocupam uma extensa área de cabeceiras de rios na região da fronteira Brasil-Peru. Os registros de povos isolados no Acre estão localizados nas TI Mamoadate, TI Kampa e Isolados do Rio Envira, TI Riozinho do Alto Envira, TI Jaminawa-Envira, TI Kaxinawá do Rio Humaitá, TI Kulina do Rio Envira, TI Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu, TI Alto Tarauacá (exclusiva para povos isolados) e TI Igarapé Taboca Alto Tarauacá (em situação de Restrição de Uso). Também existem registros nas Unidades de Conservação Parque Estadual Chandless, Estação Ecológica do Rio Acre e Parque Nacional Serra do Divisor.

O estado do Amazonas é o que concentra o maior número de registros da presença de povos indígenas isolados. Há indícios e comprovação de sua existência praticamente em todas as regiões do estado. Na TI Vale do Javari, localizada na fronteira com o Peru, é onde encontramos o maior conjunto conhecido desses povos no país. No estado do Acre também há grande presença de povos indígenas isolados. O corredor formado pelo Acre e os departamentos de Ucayali, Madre Dios e Cuzco, no Peru, configura-se como um território ocupado por uma imensa diversidade de povos isolados ou de recente contato (ou contato inicial).

Em Roraima registra-se a presença de povos isolados na Terra Indígena Yanomami, região de fronteira com a Venezuela, e na Terra Indígena Waimiri Atroari. Especificamente sobre o povo indígena isolado de presença confirmada na TI Yanomami, ressalta-se que seu território está gravemente invadido e depredado pela atividade garimpeira, portanto em situação de extrema vulnerabilidade.

No estado de Rondônia há casos emblemáticos de violação dos direitos indígenas, como é o caso dos Akuntsu e Kanoê na Terra Indígena Omerê; e do “índio do Buraco”, na Terra Indígena Tanaru, recentemente falecido. Esses povos foram dizimados em sucessivos massacres ocorridos durante a implementação de projetos de colonização e de desenvolvimento econômico em Rondônia, entre as décadas de 1970 e 1990. Foi em Rondônia, também, que ocorreu a demarcação, no início da década de 1990, da primeira terra indígena para usufruto exclusivo de um povo indígena isolado: a TI Massaco. Há também a Terra Indígena Uru Eu Wau Wau onde, além dos povos Amondawa, Jupaú e Oro Win, resistem pelo menos dois povos indígenas isolados. Desde o início do processo de demarcação no final da década de 1980, essa terra indígena sofre uma intensa pressão e há extensas áreas invadidas por grileiros, motivo pelo qual registra altas taxas de desmatamento. Por isso, na TI Uru Eu Wau Wau está pendente há anos o processo de desintrusão das áreas invadidas.

A região abrangida pelo oeste do estado do Maranhão é território tradicional Awá. Entre as décadas de 1970 e 1990 foram contatados diversos pequenos grupos no contexto do avanço da colonização na região e da construção da ferrovia Carajás. É reconhecida pelo Estado a presença de grupos isolados na região, localizados nas Terras Indígenas Caru e Araribóia. Há ainda a possibilidade da presença de um grupo remanescente isolado na Terra Indígena Awá e na Reserva Biológica do Gurupi.

No Pará também há um grande número de informações apontando para a presença de povos isolados, desde o norte, na fronteira com as duas Guianas, Suriname e o estado do Amapá, até a região central do estado, na região do médio rio Xingu – inclusive no contexto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, onde está a Terra Indígena Ituna-Itatá, protegida por portaria de Restrição de Uso. A possível presença de indígenas isolados é registrada também no sul do Pará, na bacia do alto rio Xingu – nas Terras Indígenas Kayapó, Menkragnoti; e nas regiões do médio e alto rio Tapajós.

No noroeste do Mato Grosso é confirmada a existência de pelo menos dois povos isolados, ambos de filiação linguística Tupi-Kawahiva, sobreviventes de massacres. Vivem historicamente acuados em seu próprio território, em constante processo de fuga diante da ação de madeireiros e da grilagem de terras para formação de fazendas de gado, nas TIs Kawahiva do Rio Pardo e Piripkura. Além desses dois grupos confirmados, há uma série de indícios recorrentes da presença provável de outros povos indígenas isolados, tal como na TI Apiaká do Pontal e Isolados. No Tocantins são reiterados historicamente os relatos da presença de grupos isolados Avá na região compreendida pela ilha do Bananal e arredores, em especial na TI Inãwébohona. No estado de Goiás (GO) é conhecida a história de massacres, de fuga e de resistência do povo Avá Canoeiro e há também relatos apontando a presença de grupos ainda isolados na macrorregião da Chapada dos Veadeiros, em específico no município de Cavalcante.

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A redemocratização
e a autodeterminação
dos povos indígenas

O longo do século XX (e evidentemente, nos séculos anteriores), notadamente durante o período da ditadura militar (1964-1985), o avanço dos grandes projetos de infraestrutura e de expansão econômica, especialmente na região amazônica, impôs a diversos povos indígenas até então isolados o contato forçado com as frentes de colonização, provocando grandes perdas populacionais e, às vezes, até o genocídio de grupos inteiros em decorrência, sobretudo, de surtos epidêmicos contraídos após os primeiros contatos. 

Na década de 1980, o processo de redemocratização do país foi acompanhado e proporcionado por uma forte mobilização das organizações da sociedade civil. A sociedade brasileira conquistou finalmente o exercício de voto direto nas eleições de 1989. Antes disso, em 1988, o Brasil promulgou sua nova Constituição – a Constituição Cidadã – que balizou novas relações do Estado e a sociedade brasileira em relação aos povos indígenas, reconhecendo-lhes a autodeterminação, seus direitos territoriais, seus “usos, costumes e tradições”, emancipando-os do puído poder tutelar e superando o norte estatal de “integração” dessas populações.

Marcos jurídicos
do direito de
autodeterminação dos povos indígenas:

1988

Constituição
Federal
(Brasil)

1989

Convenção
169 da OIT
(Mundo)

No mundo, no mesmo contexto, em 1989, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) – agência que compõe a intrincada estrutura da Organização das Nações Unidas (ONU) – adotou a Convenção no 169 que, ao substituir a antiga Convenção de no 107, de 1957, em suma, abandonou de vez a ideia de “integração”, consolidou e pavimentou em linhas internacionais o reconhecimento da autodeterminação dos povos indígenas. A mesma Convenção é conhecida por indicar o direito dos povos indígenas à consulta livre, prévia e informada sobre toda e qualquer medida adotada pelos Estados que os afete. Posteriormente, na Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente, realizada em 1992, no Rio de Janeiro, a Eco-92, o reconhecimento da contribuição dos povos indígenas para a manutenção da biodiversidade bem como a concepção de “precaução” como direcionamento primordial para a conservação dos ecossistemas – ou Princípio de Precaução – começaram a ganhar corpo nas discussões internacionais e, a nível dos Estados, de maneira geral, na implementação de políticas públicas. O princípio de precaução é, sem dúvida, um dos principais alicerces dos direitos dos PIIRC.

A mobilização
da sociedade
civil e a política
do “não-contato”

É nesse ambiente de efervescência que é criada a política do “não-contato” no Brasil. Desde a criação, em 1910, do Serviço de Proteção aos Índios (marco inaugural da política indigenista contemporânea), até o ano 1987 – ano da virada para a política do “não-contato” – as práticas de Estado se pautaram na atração e contato de povos indígenas isolados como diretriz central de proteção tutelada dessas populações. Isso ocorreu de forma mais intensa nos contextos de expansão das frentes econômicas. A prática do contato forçado mostrou-se extremamente violenta à vida dos povos indígenas, fato amplamente conhecido. 

Desde antes, organizações da sociedade civil e povos indígenas já vinham discutindo e criticando as práticas de contato forçado executadas pelo Estado por meio da Funai e missionários agenciados. Indigenistas que viriam a fundar a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, em 1992, em conjunto com povos indígenas em Rondônia, pressionavam pela não realização de contatos com indígenas isolados no estado, a exemplo daqueles que viviam na Reserva Biológica do Guaporé entre o final dos 80 e início da década de 1990. Em 1986, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Operação Anchieta (OPAN) organizaram encontro que discutiu, justamente, as condições de vida dos povos indígenas isolados em meio ao avanço das frentes de expansão econômica na região amazônica e, ao mesmo tempo, encaminharam duras críticas aos processos de contato forçado.

O paradigma
do “não-contato”
voltado aos povos
indígenas isolados
teve início em

1987

1988

Houveram outras experiências de campo que se desdobraram em discussões sobre a possibilidade do “não-contato” como medida de proteção antes da virada de 1987. Entre 1984 e 1985 no contexto de intermediação por parte de antropólogos da tensão entre fazendeiros e um grupo isolado Avá Canoeiro, no norte do estado de Goiás, durante os processos de atração e contato que estavam sendo levados a cabo pela Funai. Na época, foi levantada a possibilidade de não se realizar os contatos então planejados ao diminuto e fugidio grupo Avá Canoeiro, objetivo pretendido pela agência indigenista oficial. Esses e outros casos ocorreram e foram, em grande medida, responsáveis também pela drástica mudança de paradigma em 1987.

O paradigma do “não-contato”oficialmente incorporado à política indigenista voltada aos povos indígenas isolados (PII) teve como ponto inicial os anos de 1987 e 1988, após encontro da Funai com sertanistas, indigenistas e antropólogos. Os entendimentos e consensos estabelecidos na reunião, foram publicadas pela Funai (entre 1987 e 1988) através de portarias que formalizaram e orientaram a nova postura institucional do “não contato”: foi normatizado o “Sistema de Proteção do Índio Isolado” (SPII), criado um setor específico no interior da Funai para atuar exclusivamente na temática (a Coordenadoria de Índios Isolados); e estabeleceu linhas basilares de trabalho, tal como a própria diretriz de “não-contato”.

O isolamento dos povos indígenas é, além do resultado de deslocamentos forçados e, portanto, de processos de resistênciaVer Ribeiro et al, 2022., um indício claro de descontinuidades ameríndias provocadas pela violência do projeto colonial. O genocídio ameríndio teria no isolamento, por assim dizer, uma de suas evidentes expressões, cujas florestas, territórios e corpos estão entrelaçados em um mesmo processo histórico de violênciaVer Amorim, 2022, p. 215..

Sobre aspectos
de vulnerabilidade

Os povos indígenas isolados e os considerados de recente contato estão sujeitos a um conjunto grande de vetores de vulnerabilidade, em grande parte provocados pelo próprio Estado. Além disso, as consequências dessa enorme pressão tendem a ter maior impacto em seus coletivos. 

Os mecanismos que produzem as situações de vulnerabilidade, de forma geral, se constituem em pelo menos três componentes que, em correlação, modulam as consequências negativas provocadas pelas pressões, no caso, sobre os povos indígenas :

Vulnerabilidades Indígenas

O fato é que na perspectiva da definição de critérios de planejamento e direcionamento das políticas públicas, os aspectos que resultam na vulnerabilidade ainda são pouco estudados e aprofundados. É muito comum, nos processos de planejamento, execução e avaliação de políticas públicas, ocorra a culpabilização dos povos indígenas por sua própria vulnerabilidade. Os povos isolados não são vulneráveis, eles estão, sim, submetidos a contextos de vulnerabilidade. De todo modo, preliminarmente é possível sistematizar algumas das vulnerabilidades a que estes povos indígenas isolados e de recente contato estão submetidos em diferentes vetores e perspectivas;

1

a vulnerabilidade epidemiológica, decorrente da inexistência de memória imunológica em seus organismos para defesa contra determinadas doenças.

2

a vulnerabilidade demográfica que ocorre pela fragilidade do contingente populacional, em consequência sobretudo das grandes taxas de mortalidade decorrentes do contato;

3

a vulnerabilidade territorial, pela contínua pressão sobre seus territórios, a omissão para reconhecimento de seus direitos territoriais (notadamente a demarcação de terras indígenas), tendo em vista a estreita relação desses povos com os territórios;

4

a vulnerabilidade política, que ocorre pela impossibilidade desses povos se manifestarem através dos mecanismos de representação comumente aceitos pelo Estado, tais como associações ou assembleias, por exemplo;

5

a vulnerabilidade sociocultural, que decorre da morte dos mais frágeis às epidemias, como crianças e anciãos. Com a morte destes, o grupo perde líderes políticos, conselheiros, guias espirituais e com a morte daquelas compromete-se, a médio prazo, a capacidade da renovação da sociedade, podendo, inclusive, vir a alterar os padrões culturais para a formação de casais;

6

a vulnerabilidade jurídica, que se constitui, por um lado, pela falta de legislação específica para tratar do tema e, por outro, pelo desconhecimento que operadores de direitos, advogados, procuradores, juízes, entre outros atores do meio jurídico têm sobre os direitos e especificidades dos PIIRC.

Violências
e genocídio

São inúmeros os casos de violência ainda pouco estudados, sistematizados e expostos praticados contra povos isolados e suas florestas durante as ditaduras. Temos, por exemplo, os casos dos povos isolados na TI Vale do Javari, que sofreram sucessivas violências no período compreendido pela ditadura militar. No Maranhão, temos os casos dos diversos grupos locais Awá, alguns massacrados, outros “resgatados” pela Funai, no contexto de construção da Ferrovia Carajás e da rodovia BR-222. Incrivelmente, alguns segmentos permanecem em isolamento nas matas que sobraram na região. Em Rondônia, há os casos dos povos de recente contato Akuntsu e Kanoê, e dos povos que ainda vivem em isolamento na TI Uru Eu Wau Wau, dilacerados por meio de projetos estatais de colonização financiados pelo Banco Mundial (Polonoroeste). Há inúmeros outros casos ainda a serem revelados. 

Indígena do Buraco

O caso do “indígena do buraco” é emblemático. Embora esse indivíduo tenha sido localizado pela Funai em meados da década de 1990, há a possibilidade de – pelo menos – parte dos massacres que seu povo sofreu terem ocorrido na 1980 ou até em períodos anteriores, resultados também de projetos estatais de desenvolvimento e colonização. Semelhantes práticas genocidas ocorreram contra os povos Piripkura e Kawahiva do Rio Pardo, no MT, agravadas pela construção da rodovia MT-206, em meados dos 80. Todos esses casos, e outros, carecem, urgentemente, de investigação, memória, verdade e justiça.

O conceito de “isolamento” está estreitamente vinculado ao enorme desafio de provar a existência desses povos e, consequentemente, reconhecê-los oficialmente enquanto sujeitos de direitos. É justamente por essa peculiaridade, pela tendência da invisibilidade jurídica, que os Estados devem adotar medidas mais específicas.

Há dificuldades e omissões (culposas) por parte do Estado em prevenir, evitar ou responder às violências praticadas contra esses povosVer Palmquist, 2018.. Antes de provar a violência, temos que provar que eles existem. Para a efetivação de direitos, a existência dos povos isolados deve ser previamente provada, convencida, ampla e localmente reconhecida. Caso contrário, sua vulnerabilidade aumenta consideravelmente. Sem esse reconhecimento, legitima-se qualquer tipo de violência contra eles praticada, pois para o Estado e seus detratores, eles não existemVer Amorim, 2018..

Os povos isolados existem, como sujeitos de direitos, quando essa existência é documentada e sistematizada. Por isso, deve-se compor acervos documentais e audiovisuais que, por si só, podem romper a barreira da invisibilidade imposta pelo status quo. É primordial que sejam construídas estratégias de organização e salvaguarda desses acervos. Nos casos possíveis, os próprios povos envolvidos deveriam ter acesso a esses acervos. 

Opi - Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato

Consulta
e consentimento
no caso de
Povos Indígenas
isolados

No caso dos povos isolados, a opção pelo isolamento constitui manifestação expressa de sua decisão política pela autonomia. Os vestígios que deixam, como armadilhas, tapagens, acampamentos, entre outros, constituem evidências dessa manifestação. As atitudes de fuga e rechaço de aproximações são, por si só, manifestações claras de vontade. De acordo com a Constituição de 1988, que garante a autonomia dos povos indígenas, e de normativas internacionais, a expressão de vontade por meio do isolamento deve ser entendida como não consentimento a contatos forçados e atividades de exploração e destruição de seus territórios. 

Vestígios como
armadilhas,
tapagens, tapiris,
entre outros, são
evidências da
manisfestação
do isolamento.

Ademais, a aplicação do direito de consulta e consentimento está intimamente relacionada aos processos de reconhecimento oficial da presença. Por isso, as ações para reconhecimento da presença de povos indígenas isolados, como os processos de pesquisa e as expedições de localização levadas a cabo pela Funai, devem ser considerados, no caso de isolados, constituintes do que seriam os protocolos de aplicação do direito de consulta ou consentimento livre, prévio e informado, conforme a Convenção 169/OIT. Importante lembrar que o Estado, de nenhuma forma, representa a vontade desses povos em contextos de implementação de medidas que os afetem ou, por exemplo, em processos de licenciamento ambiental.

A representatividade ocorre por meio de suas manifestações claras de rechaço e não consentimento. Portanto, toda e qualquer iniciativa de contato forçado deve ser considerada uma violação de direitos fundamentais dos povos indígenas isolados, com exceção nos casos em que sejam constatadas situações de extremo risco e vulnerabilidade, ou naqueles casos em que a vontade de aproximações definitivas e sustentadas (o contato) são claramente demonstradas. Portanto, tentativas forçadas de contato devem ser responsabilizadas e punidas.