Notícias

Opi envia propostas sobre povos indígenas isolados e de recente contato para equipe de transição do governo Lula

Publicado por Opi

Compartilhar

Documento é contribuição da organização fundada por Bruno Pereira para a reconstrução das políticas públicas desmontadas pela Funai de Bolsonaro

Com sete capítulos em 68 páginas, um documento elaborado pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi) está sendo enviado hoje (22) para membros da equipe de transição do governo Lula e organizações indígenas e indigenistas. O material vem sendo elaborado por especialistas desde setembro e contém propostas para a reconstrução das políticas públicas que foram desmontadas pelo governo Bolsonaro na Fundação Nacional do Índio (Funai).

O documento apresentado pelo Opi traz as principais vulnerabilidades que afetam os povos indígenas isolados e de recente contato abordando seus direitos, o histórico da política brasileira, considerada de vanguarda no mundo, e os graves problemas enfrentados por indígenas e indigenistas na prevenção de genocídios contra esses grupos. O Opi é a organização fundada pelo indigenista Bruno Pereira e o trabalho enviado à equipe de transição é dedicado a ele. Em setembro de 2022, em uma visita de Lula à Belém durante a campanha eleitoral, a viúva de Bruno e presidente do Opi, Beatriz Matos, entregou ao então candidato um primeiro esboço das propostas para o novo governo.

O Brasil é o país onde se registra o maior número conhecido de povos indígenas isolados do mundo. Atualmente o Estado brasileiro, responsável pela proteção e pela preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar e à reprodução física e cultural desses povos, reconhece a existência de 114 registros em território nacional, sendo 28 confirmados. Além de reconhecer um maior número de registros de povos isolados, o Brasil também possui a política pública mais antiga no que diz respeito à garantia do direito desses povos à autodeterminação.

Mesmo assim, o Opi lembra que “os esforços empreendidos em mais de 30 anos de implementação da política de Estado ainda não foram suficientes para assegurar de forma efetiva a superação de alguns desafios históricos e estruturais”. Nos últimos anos, relata o documento, houve gradual precarização da atuação da Funai em campo, colocando em risco os avanços alcançados em décadas de trabalho indigenista. Durante o governo Bolsonaro os cortes sucessivos no orçamento e o número reduzido de servidores, de um lado, aliado ao estímulo governamental a invasores de terras, madeireiros e garimpeiros ilegais por outro lado, aumentaram sensivelmente o risco para os grupos isolados.

Desafios

Para dar uma ideia da precariedade no funcionamento atual das Frentes de Proteção Etnoambiental (FPEs), que são um dos principais instrumentos da política para indígenas isolados e de recente contato, o Opi calculou a relação entre o número de servidores e o tamanho do território onde há registro de isolados. Existem registros em pelo menos 70 terras indígenas, uma área que soma mais de 75 milhões de hectares. As 11 Frentes de Proteção atuando contam com apenas 105 servidores efetivos o que resulta numa razão de um servidor para cada 720 mil hectares de terras a serem protegidas. “Ou seja, cada servidor seria responsável, sozinho, por monitorar uma área equivalente a cinco vezes a cidade de São Paulo. A escassez de recursos humanos na Funai é evidente e um problema estrutural que se arrasta há décadas”, diz o documento, que entre as propostas para o governo Lula considera urgente e central a realização de concurso público para suprir as carências.

O documento do Opi analisa detidamente os seis tipos de vulnerabilidades que colocam em risco os povos indígenas isolados e de recente contato para, a partir disso, propor uma série de diretrizes para o novo governo. As vulnerabilidades são classificadas em:

1. Vulnerabilidade epidemiológica, decorrente da inexistência de memória imunológica em seus organismos para defesa contra determinadas doenças;

2. Vulnerabilidade demográfica que ocorre pela fragilidade do contingente populacional, em consequência sobretudo das grandes taxas de mortalidade decorrentes do contato;

3. Vulnerabilidade territorial, pela contínua pressão sobre seus territórios e a omissão para reconhecimento de seus direitos territoriais;

4. Vulnerabilidade política, que ocorre pela impossibilidade desses povos se manifestarem através dos mecanismos de representação comumente aceitos pelo Estado, tais como associações ou assembleias;

5. Vulnerabilidade sociocultural, que decorre da morte dos mais frágeis às epidemias, como crianças e anciãos. Com a morte destes, o grupo perde líderes políticos, conselheiros, guias espirituais e com a morte daquelas compromete-se, a médio prazo, a capacidade da renovação da sociedade, podendo, inclusive, vir a alterar os padrões culturais para a formação de casais;

6. Vulnerabilidade jurídica, que se constitui, por um lado, pela falta de legislação específica para tratar do tema e, por outro, pelo desconhecimento que operadores de direitos, advogados, procuradores, juízes, entre outros atores do meio jurídico têm sobre os direitos e especificidades desses grupos.

A partir da análise dos riscos, o Opi propõe que o novo governo adote uma série de medidas para aperfeiçoar a política de proteção para povos isolados e de recente contato:

1. Avançar no reconhecimento da presença dos povos indígenas isolados, com a realização de expedições de reconhecimento e confirmação de registros e um planejamento sistemático para formar forças tarefa com expertise para esse trabalho.

2. Avançar no reconhecimento dos direitos territoriais dos grupos isolados, com a regulamentação dos instrumentos de restrição de uso já existentes e a demarcação de terras onde já está confirmada a presença dos povos. Também é indicada a necessidade de ser feita a desintrusão em territórios tanto de indígenas isolados quanto os de recente contato.

3. Seguir o ordenamento jurídico nacional e internacional no que diz respeito a consulta e consentimento. No caso dos povos isolados, a opção pelo isolamento constitui manifestação expressa de sua decisão política pela autonomia.

4. O documento do Opi considera necessário avançar na construção de políticas não só para os povos isolados mas também para os de recente contato ou em contato inicial, com a elaboração de programas específicos para esses grupos.

5. Uma das principais vulnerabilidades dos povos isolados e de recente contato reside na falta de memória imunológica para resposta à doenças e, para assegurar o direito à vida e à saúde desses povos, o Opi propõe diretrizes como a criação de uma estrutura específica dentro da Secretaria Especial de Saúde Indígena para aplicar as políticas de já existentes, assim como a aplicação de inquéritos epidemiológicos constantes para mapear a saúde dessas populações.

6. No âmbito da participação e da cooperação, respeitando o direito de autodeterminação dos povos, previsto no ordenamento jurídico, o OPI propõe a recriação do conselho consultivo instituído pela Funai em 2016 e abandonado pelo governo Bolsonaro, para que seja garantida a participação de representantes indígenas nas decisões com impacto potencial sobre povos isolados e de recente contato.

7. Por fim, ao tratar da gestão da política indigenista, o diagnóstico do Opi se aprofunda nas sérias deficiências de recursos orçamentários e humanos que dificultam a atuação da Funai e propõe uma série de medidas voltadas especificamente para a área de povos isolados e de recente contato, com a abertura de concurso específico e mudanças na forma de remuneração que valorizem os profissionais de campo que aplicam a política pública.

Onde estão os isolados

O estado do Amazonas é o que concentra o maior número de registros de povos indígenas isolados. Há indícios e comprovação de sua existência praticamente em todas as regiões do estado. Na TI Vale do Javari, localizada na fronteira com o Peru, é onde encontramos o maior conjunto conhecido desses povos no país. No estado do Acre também há grande presença de povos indígenas isolados. O corredor formado pelo Acre e os departamentos de Ucayali, Madre Dios e Cuzco, no Peru, configura-se como um território ocupado por uma imensa diversidade de povos isolados ou de recente contato (ou contato inicial).

Em Roraima registra-se a presença de povos isolados na Terra Indígena Yanomami, região de fronteira com a Venezuela, e na Terra Indígena Waimiri Atroari. Especificamente sobre o povo indígena isolado de presença confirmada na TI Yanomami, ressalta-se que seu território está gravemente invadido e depredado pela atividade garimpeira, portanto em situação de extrema vulnerabilidade.

No estado de Rondônia há casos emblemáticos de violação dos direitos indígenas, como é o caso dos Akuntsu e Kanoê na Terra Indígena Omerê; e do “índio do Buraco”, na Terra Indígena Tanaru, recentemente falecido. Esses povos foram dizimados em sucessivos massacres ocorridos durante a implementação de projetos de colonização e de desenvolvimento econômico em Rondônia, entre as décadas de 1970 e 1990. Foi em Rondônia, também, que ocorreu a demarcação, no início da década de 1990, da primeira terra indígena para usufruto exclusivo de um povo indígena isolado: a TI Massaco. Há também a Terra Indígena Uru Eu Wau Wau onde, além dos povos Amondawa, Jupaú e Oro Win, resistem pelo menos dois povos indígenas isolados.

A região abrangida pelo oeste do estado do Maranhão é território tradicional Awá. Entre as décadas de 1970 e 1990 foram contatados diversos pequenos grupos no contexto do avanço da colonização na região e da construção da ferrovia Carajás. Ainda é reconhecida pelo Estado a presença de grupos isolados na região, localizados nas Terras Indígenas Caru e Araribóia. Há ainda a possibilidade da presença de um grupo remanescente isolado na Terra Indígena Awá e na Reserva Biológica do Gurupi.

No Pará também há um grande número de informações apontando para a presença de povos isolados, desde o norte, na fronteira com as duas Guianas, Suriname e o estado do Amapá, até a região central do estado, na região do médio rio Xingu – inclusive no contexto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, onde está a Terra Indígena Ituna-Itatá, protegida por portaria de Restrição de Uso mantida pelo atual governo em função de ação judicial. A possível presença de indígenas isolados é registrada também no sul do Pará, na bacia do alto rio Xingu – nas Terras Indígenas Kayapó, Menkragnoti; e nas regiões do médio e alto rio Tapajós.

No noroeste mato-grossense é confirmada a existência de pelo menos dois povos isolados, ambos de filiação linguística Tupi-Kawahiva, sobreviventes de massacres. Vivem historicamente acuados em seu próprio território, em constante processo de fuga diante da ação de madeireiros e da grilagem de terras para formação de fazendas de gado, nas TIs Kawahiva do Rio Pardo e Piripkura. Além desses dois grupos confirmados, há uma série de indícios recorrentes da presença provável de outros povos indígenas isolados, tal como na TI Apiaká do Pontal e Isolados.

No Tocantins são reiterados historicamente os relatos da presença de grupos isolados Avá na região compreendida pela ilha do Bananal e arredores, em especial na TI Inãwébohona. No estado de Goiás (GO) é conhecida a história de massacres, de fuga e de resistência do povo Avá Canoeiro e há também relatos apontando a presença de grupos ainda isolados na macrorregião da Chapada dos Veadeiros, em específico no município de Cavalcante.

Confira as propostas feitas pelo Opi à equipe de transição

Veja a íntegra do documento

Leia também:

Cadastre-se para receber nossa newsletter.