Dez anos após sua primeira versão, projeto volta com uma nova abordagem: proposta e executada pela Associação do Povo Indígena Amondawa
Em 2013 servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) se deram conta de que a situação de fiscalização e monitoramento na região sul da Terra Indígena Uru-eu-wau-wau, especialmente na área da rodovia federal BR-429, em Rondônia, se tornava bastante trabalhosa em relação a pequenas infrações constantemente repetidas: invasões para pesca, coleta de castanha, retirada de madeira e atividades de garimpo. Preocupado com a situação, o indigenista Rieli Franciscato, então coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Uru-eu-wau-wau (FPE-Funai), começou a acreditar que um trabalho de base nas comunidades do entorno do território poderia funcionar de maneira mais efetiva no combate a esses crimes. Procurou Walter Meira, coordenador-substituto da mesma Frente, e idealizaram juntos a primeira versão do projeto, primeiro chamado Um Dia de Campo, hoje rebatizado como Um Dia na Aldeia.
Em Seringueiras-RO, realizaram palestras para as crianças das escolas rurais, informando sobre ações realizadas pela Funai, falando da importância do território do ponto de vista ambiental, e da proteção dos indígenas em isolamento que ali habitam. O momento visava, também, apontar a diferença da ocupação indígena e não-indígena, sendo a primeira em consonância com a existência da floresta, e a segunda, predatória. Ao final, os estudantes que demonstraram maior envolvimento com a temática trabalhada foram selecionados para visitar a base da Frente de Proteção Etnoambiental (FPE-Funai) na Terra Indígena, e ver de perto aquilo que haviam escutado.
Desde as primeiras versões do projeto, o povo Amondawa participou apresentando seu modo de vida e demonstrando a relação com a floresta, que se mantém mesmo após o estabelecimento definitivo de seu contato com não-indígenas, em 1988. A atividade de campo é planejada em estações que apresentam na prática os temas trabalhados, com os Amondawa apresentando, em sua própria estação, as plantas importantes para alimentação, medicina, construção de casas e produção de artefatos.
O projeto surgiu a partir da necessidade de levar para a sociedade do entorno informações a respeito da importância do território para os povos isolados e da minimização dos crimes ambientais cometidos pelos moradores da vizinhança. Se repetiu, realizado pela Funai, nos anos de 2014, 2015 e 2016, crescendo e alcançando profissionais liberais, professores, servidores públicos e acadêmicos, se estendendo aos municípios rondonienses de São Miguel, São Francisco e Izidrolândia, neste último objetivando informar a respeito da mesma temática, mas tendo como foco a Terra Indígena Massaco, demarcada exclusivamente para povos que vivem em isolamento.
Protagonismo Amondawa
Após a trágica morte de Rieli Franciscato em 2020, atingido por uma flecha no coração em um momento de grande tensão para os grupos isolados da região, pressionados por inúmeras invasões, a comunidade indígena Amondawa, para quem Rieli era uma figura de grande importância, sentiu a ausência dele de muita formas, inclusive dos impactos positivos do projeto que ele coordenava. O Dia na Aldeia promovia a proteção territorial, o combate ao preconceito contra povos indígenas na região, informava sobre a importância ambiental do território e sobre o respeito aos povos indígenas isolados, por meio da educação. O projeto fazia diferença e fez falta.
Em 2023, dez anos após sua primeira versão, o projeto então voltou com uma nova abordagem: proposta e executada pela Associação do Povo Indígena Amondawa (Apia), nas escolas dos municípios de Mirante da Serra e Nova União. O projeto teve financiamento da Inter-American Foundation (IAF), e foi realizado em parceria com o Observatório dos Povos Indígenas Isolados (Opi), a Universidade Federal de Rondônia (Unir), a Frente de Proteção Etnoambiental Uru-eu-wau-wau (FPE-Funai) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
Após meses de preparo, uma equipe composta exclusivamente por indígenas Amondawa, junto a uma assessoria do Opi, realizou as palestras em oito escolas, tendo sido muito bem recebidas por toda a comunidade escolar. As Frentes de Proteção Etnoambiental Uru-eu-wau-wau e Madeirinha disponibilizaram servidores Amondawa para comparecer ao evento, contribuindo com o esclarecimento sobre as ações institucionais e sua importância.
A equipe foi composta por homens e mulheres do povo Amondawa, sendo as apresentações feitas por André Tanguip, Baíra, Borep, Davi Kuari, Puruwa, Poteí, Tambura e Warina, além de Graciano Oro Waram, comunicador da associação. Ao final dessa etapa, as escolas ficaram encarregadas de selecionar alunos mais engajados com a temática por meio de redações para uma visita à aldeia Trincheira, na Terra Indígena Uru-eu-wau-wau.
Dia na Aldeia
A segunda etapa da atividade, que dá nome ao projeto, aproxima a comunidade da realidade do território e da ocupação indígena. O dia de visitação aconteceu no início do mês de novembro, e envolveu cerca de 500 pessoas, sendo 300 visitantes. O público incluía os alunos selecionados, professores, discentes e docentes do Centro Universitário São Lucas, vereadores, entre outros. Após serem recepcionados e introduzidos à agenda prevista, seguiram em pequenos grupos para uma caminhada de 2 km por uma trilha preparada na mata.
Na caminhada guiada, dez estações foram previamente organizadas para que as explicações da mata se tornassem interativas: havia o ponto da planta medicinal ywypiroca (escorrega macaco), da castanheira, da embira, da palmeira de onde retiram o sal, da seringa, da árvore de fazer pilão, do tapiri dos isolados (simulado), do caucho, do tapiri Amondawa e do barreiro de caça. Após essa atividade, houve a reunião das pessoas para um grande almoço coletivo e a realização de atividades de sorteio de brindes, brincadeiras, e apresentações de danças e cantos. Ao final, mudas de plantas nativas foram presenteadas aos visitantes, sobretudo da espécie mogno, que é derrubada ilegalmente nas florestas, para demonstrar a força da proteção ambiental no território indígena.
O projeto impactou não apenas na melhoria das relações e das informações transmitidas para os moradores da região, mas também com a valorização cultural e com o fortalecimento da renda local, uma vez que artesanatos também foram comercializados durante o dia. Com o envolvimento dos jovens nas atividades, o resgate e o fortalecimento da cultura Amondawa foram impactos profundamente apreciados pela comunidade.
Os Amondawa se articularam junto às estruturas municipais (prefeitos, vereadores, secretarias, escolas) e instituições como as citadas anteriormente. Este é o único projeto em andamento no estado com o apoio da Inter-American Foundation, e está sendo reconhecido por sua boa execução e resultados alcançados.
Acompanhe essa e outras atividades realizadas pela Associação do Povo Indígena Amondawa (Apia) pelo instagram dos Amondawa.