Político de Rondônia anunciou revisão de limites do território em fala equivocada que pode estimular novas invasões e piorar conflitos na região
O deputado federal por Rondônia Lúcio Mosquini (MDB) fez uma declaração pública em evento com pecuaristas, no final do mês de março, afirmando ter “conseguido a remarcação de uma terra indígena”, no caso o território Uru-Eu-Wau–Wau, em que vivem seis povos indígenas, sendo dois grupos em situação de isolamento, podendo haver outros ainda não confirmados. A afirmação do político é equivocada e grave, podendo induzir mais invasões na área e aumentar os conflitos já existentes.
Em resposta a Mosquini, no mesmo evento, o líder indígena Tambura Amondawa negou qualquer hipótese de regularização de porções da terra indígena em favor de invasores. “Eu não poderia ficar calado. Eu vou alertar vocês que a terra indígena jamais será regularizada, jamais. Não existe nenhuma lei que regulamenta isso”, afirmou. A resposta deixa evidente que o político cometeu um equívoco – que pode ter consequências sérias – ao confundir revisão de marcos demarcatórios com “remarcação” da terra.
Existe um pedido do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para que seja feito ajuste em um marco físico, mas a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) não definiu nada a respeito por existirem controvérsias legais sobre a possibilidade de mudança na definição do limite. É comum em época de eleição que políticos, sobretudo na Amazônia, se aproveitem de situações frágeis de disputa territorial para alavancarem apoio entre eleitores na região com promessas de terras que são de usufruto exclusivo dos povos indígenas.
Em uma região já marcada por graves conflitos, com invasores assediando várias regiões da TI Uru-Eu-Wau-Wau, a situação pode piorar muito com base na crença de que haverá regularização da situação posteriormente. A expectativa de direitos fundiários criada por esse tipo de discurso é historicamente o que impulsiona a violência contra indígenas e as invasões de suas terras. Além disso, entre as ações prioritárias para ocorrerem no território está a desintrusão, determinada no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Ou seja, a prioridade, determinada pela corte suprema do país é a retirada dos invasores e não a regularização de áreas invadidas.
A TI Uru-Eu-Wau-Wau esteve entre as mais desmatadas durante o governo passado, e sofre constantemente com a pressão de invasores. O território está cercado por fazendas, com áreas de pasto e de plantio de soja, e teve 1.200 hectares desmatados apenas no ano de 2019. Além da retirada dos invasores ser prioritária, nenhuma mudança nos limites da terra indígena, de acordo com a Convenção 169 da OIT, pode ser feita sem consulta aos povos afetados.
Na região em que o Incra pediu a revisão de limites existem aldeias dos povos Jupaú e Amondawa. Nas proximidades, estão as terras onde vivem os indígenas isolados Irure’iëa (Jurureí), que são mais vulneráveis à presença de invasores e que já sofreram expulsão de várias áreas desde que a colonização foi imposta na região. Para controlar a situação, além da desintrusão, é necessário fortalecer também as iniciativas das associações indígenas e da Frente de Proteção Etnoambiental Uru-Eu-Wau-Wau, braço descentralizado da Funai que atua na região e, em conjunto os povos que lá vivem, é fundamental para a contenção das ameaças.