No artigo 29, o PL flexibiliza a política de não-contato que garante a sobrevivência dos grupos isolados e pode promover uma volta aos tempos da ditadura
O Opi – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato alerta para a gravidade do Projeto de Lei 490, proposto pela bancada ruralista, que o Congresso Nacional ameaça votar nas próximas semanas. A proposta altera a Lei nº 6001 de 1973, o chamado Estatuto do Índio e, além de violações graves aos direitos constitucionais dos povos indígenas, altera a política pública que garante o direito dos grupos isolados de manterem sua autonomia. Em seu artigo 29, o PL 490 prevê a possibilidade de contato forçado para “ação estatal de utilidade pública”. Na prática, isso permite que a sobrevivência dos isolados seja ameaçada por qualquer projeto de rodovia, hidrelétrica, mineração, atividade agropecuária e colonização.
O Brasil conhece bem o significado do contato forçado para atividades ditas de utilidade pública. Durante a ditadura militar, milhares de indígenas isolados foram caçados pela chamada política de atração e contato, que obrigava agentes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) a promover o contato com povos para permitir a abertura de estradas e hidrelétricas. Essa política genocida provocou mortandades brutais entre vários povos indígenas na Amazônia e por isso, desde 1987, o Brasil respeita a autodeterminação dos isolados através da política de não-contato.
O contato forçado do povo Panará, em 1975, para a construção da BR-163 (Cuiabá-Santarém), provocou a morte de dois terços deles. Os Kinja, conhecidos também como Waimiri Atroari, sofreram ataques a bombas pelo Exército brasileiro durante a construção da rodovia BR-174 (Manaus-Boa Vista), num processo de atração e contato que reduziu em mais de 70% a população. O povo Matis, no oeste do Amazonas foi levado quase ao completo extermínio, no contexto de construção de trecho da rodovia Perimetral Norte em meados da década de 70. É também a história dos diferentes grupos locais Awá no Maranhão, contatados e devastados ao longo das década de 1970 e 1980 em trechos de floresta que restaram em região devastada pela construção da ferrovia Carajás.
São inúmeros os casos de contatos e subsequentes extermínios de povos indígenas realizados sob o pretexto de “ação de utilidade pública”, motivo pelo qual uma importante mudança de postura do Estado brasileiro tenha ocorrido em 1987: do contato como medida para “intermediar ações de utilidade pública” passou-se ao respeito de suas diferenciadas formas de vida e expressão. Desde então foram proibidos os contatos forçados e toda e qualquer atividade econômica em seus territórios. O princípio de precaução, o direito à autodeterminação e garantia de seus territórios íntegros e intangíveis são direitos fundamentais que estão previstos não só em normativas nacionais, bem como de organismos internacionais dos quais o Brasil faz parte.
Caso seja aprovado, o PL 490 será, certamente, mais um gigantesco retrocesso em nossa legislação, bem como um total desrespeito às diferenciadas formas de vida e expressão, e às decisões e territórios dos povos indígenas isolados, conquistados com muita luta pelos povos indígenas e a sociedade civil no contexto de redemocratização do país.