Terra Indígena Mamoriá Grande foi protegida por decreto de restrição de uso no final de 2024 e, em fevereiro de 2025, uma família buscou o contato e foi acolhida pelos agentes estatais
Desde o ano passado, o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi) apoia o trabalho da Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Madeira-Purus, a unidade da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) responsável pelo monitoramento e promoção de direitos dos grupos isolados na vasta região no interflúvio entre dois grandes afluentes da bacia amazônica. Em dezembro de 2024 a Funai decretou a interdição da Terra Indígena Mamoriá Grande, nesta região e, pouco tempo depois, em fevereiro de 2025, uma família de isolados buscou o contato.
“A família, provavelmente passando por dificuldades, percebeu a movimentação maior do pessoal da Funai após a publicação da restrição de uso e procurou o contato em uma comunidade ribeirinha, como forma de apoio. Esse fato demonstra a importância do fortalecimento das frentes de proteção e também o caráter fundamental das portarias de restrição de uso para assegurar a sobrevivência de grupos indígenas em isolamento”, explica Mário Brunoro, indigenista do Opi que atua na região.
Em pouco mais de um ano de trabalho em conjunto com a Funai, através da Frente Madeira-Purus, o Opi apoiou a realização de seis expedições para qualificar informações sobre a presença dos grupos isolados nos igarapés Macaco e São Benedito. Apoiou ainda a construção de duas bases de proteção, a contratação de pessoal para atuar nelas e a realização, pela Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato da Funai (CGIIRC), de um treinamento para os profissionais contratados, já que o monitoramento de indígenas isolados é um trabalho altamente especializado.
A presença de isolados na região do Mamoriá foi confirmada em 2021 mas, numa clara consequência das políticas anti-indígenas do governo de Jair Bolsonaro, o território permaneceu desprotegido por três anos. Em meio à pandemia da Covid-19, os relatórios e informações técnicas produzidos sobre o Mamoriá Grande pelos servidores da FPE Madeira-Purus foram desacreditados e ignorados pela direção da Funai, durante a gestão do delegado Marcelo Xavier. A partir de 2023, a continuidade dos trabalhos da Frente de Proteção, já com a Funai sob direção de Joenia Wapichana, culminou na edição da portaria de restrição de uso.
As portarias de restrição de uso são instrumentos legais utilizados na proteção dos territórios dos povos indígenas isolados, e têm o respaldo no artigo 231 da Constituição Federal e no Decreto 1775/96. A interdição desses territórios tem como objetivo tanto evitar invasões e qualquer contato que comprometa a integridade do território e a saúde dos isolados, quanto possibilitar que o trabalho de proteção etnoambiental e do processo demarcatório seja executado com mais segurança, sem o risco de encontros com pessoas contrárias à presença indígena na área.
A Terra Indígena Mamoriá Grande tem extensão de 259.783 ha e está localizada nos municípios de Tapauá e Lábrea, no Sul do Estado do Amazonas. É território de ao menos dois grupos de indígenas em isolamento distintos, cuja ocupação territorial é caracterizada por práticas de mobilidade de grande dispersão e acampamentos sazonais que acompanham os ciclos anuais de chuva e estiagem. Do ponto de vista fundiário, a TI Mamoriá Grande e Igarapé Grande faz parte do mosaico de Terras Indígenas composto pelas TIs Hi-Merimã, Suruwaha, Deni, Camadeni e Catipari/Mamoriá, e se sobrepõe parcialmente à Reserva Extrativista (Resex) do Médio Purus.
O contato
No dia 12 de fevereiro de 2025, um jovem indígena pertencente a um grupo em isolamento da Terra Indígena Mamoriá Grande apareceu na comunidade ribeirinha da Bela Rosa, localizada na Reserva Extrativista Médio Purus. De imediato, os ribeirinhos comunicaram às equipes locais da Secretaria Especial da Saúde Indígena (SESAI) e da FPE, que tomaram as medidas emergenciais norteadas pelo Plano de Contingência, como a criação de barreira sanitária e ações de vacinação.
Após o contato inicial com o jovem, a família dele (uma mulher e duas crianças) também apareceu e foi acolhida, com os cuidados necessários, pela equipe da Funai. Até hoje não se sabe a qual grupo étnico eles pertencem e a língua que falam não foi identificada por especialistas que analisaram o caso, podendo se tratar de uma língua nova, até o momento desconhecida.
Os princípios, diretrizes e estratégias que norteiam as ações em situações de contato estão definidas pela Portaria Conjunta Ministério da Saúde e pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) nº 4.094, de 20 de dezembro de 2018. A primeira ação que deve ser feita em uma situação de contato é acionar imediatamente as equipes da Funai e da Sesai, que tomarão as medidas urgentes norteadas pelo Plano de Contingência.
No recente caso do Mamoriá Grande, as medidas de proteção sanitária foram tomadas rapidamente. Isso evidencia a importância do trabalho de formação e conscientização das comunidades do entorno, e é fruto da presença das equipes da FPE na Base do Mamoriá Grande.