Interface reúne informações de bancos de dados públicos e das redes da Coiab e do Opi em uma ferramenta geoespacial para utilização por indígenas, especialistas e gestores públicos
A plataforma Monitoramento de Ameaças e Pressões a Povos Indígenas Isolados (Mapi), produto da cooperação técnica entre a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), entra no ar esta semana trazendo informações sobre as vulnerabilidades que afetam as vidas e os territórios dos grupos em isolamento na Amazônia brasileira. A Mapi é lançada no Dia Internacional dos Direitos Humanos como forma de lembrar à sociedade brasileira e à comunidade internacional a importância de manter protegidos os territórios dos povos indígenas isolados, que estão entre os povos mais vulneráveis e correm risco concreto de genocídio.
A iniciativa tem apoio da Operação Amazônia Nativa (Opan) e foi idealizada pelo indigenista Bruno Pereira, fundador do Opi, que ajudou a planejar seus fundamentos. A ideia de monitorar as ameaças aos povos isolados também é um anseio do movimento indígena brasileiro que, através das articulações da Coiab, apoia o desenvolvimento de ferramentas de monitoramento acessíveis aos parentes e às organizações indígenas autônomas na Amazônia para potencializar a atuação em parceria na defesa de direitos e na proteção dos territórios.
A plataforma Mapi parte da base de dados oficial da FUNAI a respeito dos registros de presença de povos indígenas em isolamento no Brasil. Espera-se que, com o tempo, a iniciativa integre também as informações das bases que compõem a Rede Coiab (APOIANP, COAPIMA, FEPIPA, CIR, APIAM, OPIROMA, FEPOIMT, ARPIT, Movimento Indígena no Acre, Fundo Indígena da Amazônia Brasileira – Podáali e UMIAB), que serão conjuntamente trabalhadas pelas Gerências de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (GPIIRC), Monitoramento Territorial Indígena (GEMTI) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi). Também espera-se que a plataforma seja um instrumento para fortalecer a qualificação de informações para a Rede de Advogados e Advogadas Indígenas da Amazônia. Trata-se, portanto, de mais um caminho para a luta diária do movimento indígena contra todos os revezes legislativos e demais tentativas de destruição das políticas indígenas e indigenistas conquistadas ao longo de séculos de resistência.
As informações reunidas na Mapi permitem analisar as condições de vida e dos territórios dos povos isolados na região que registra a maior concentração desses grupos no mundo, a Amazônia brasileira. Foi da plataforma Mapi que Coiab e Opi buscaram as informações que subsidiaram, por exemplo, a recente nota técnica sobre incêndios em territórios de povos indígenas isolados, divulgada internacionalmente na Semana do Clima em Nova Iorque e na Convenção das Partes pela Biodiversidade (COP16) na cidade de Cali, na Colômbia. A nota pode ser lida na íntegra clicando aqui.
Em 2022, durante a realização da campanha Isolados ou Dizimados, na luta pela manutenção das portarias de restrição de uso de cinco territórios em processo de regularização ou aguardando um posicionamento do Estado para confirmar os registros, a ferramenta, mesmo estando restrita ao público até agora, permitiu também analisar ameaças ao povo Kawahiva do Rio Pardo, pressionado por invasões no entorno de seu território, no ano passado. Com a publicação, análises do tipo poderão ser feitas por outras organizações e entes públicos.
A plataforma Mapi será uma ferramenta poderosa para identificar e classificar ameaças e pressões sobre os territórios dos povos indígenas isolados que servirão de base para atuação das redes de organizações indígenas que integram a Coiab e das redes dos indigenistas do Opi. Nela estarão reunidas todas as informações, registros e relatos sobre a existência dos grupos isolados para que, seguindo o princípio da precaução, sejam garantidos seus direitos territoriais e seu direito à autodeterminação, tanto na Amazônia brasileira quanto nas regiões transfronteiriças entre Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa, em que transitam os povos em isolamento.
A plataforma não monitora os povos indígenas isolados – essa atividade é exclusiva do estado brasileiro através da Funai – mas a situação de vulnerabilidade vivenciada por estes povos, visualizando as ameaças e pressões que se aproximam dos territórios onde estão localizados os 115 registros, a partir de um mapa interativo. Os registros aparecem no mapa com as coordenadas deslocadas propositalmente, para evitar a identificação exata das localizações dos grupos isolados, pelo risco de ataques contra eles. Não há, portanto, nenhum dado sigiloso entre as informações reunidas pela Mapi.
Navegue pelo mapa interativo da Mapi
O conjunto de informações da Mapi foi pensado para fornecer subsídios para o trabalho de organizações indígenas, indigenistas e gestores públicos que atuem na promoção de direitos e na proteção das vidas e territórios dos isolados. Os dados foram cuidadosamente selecionados pelo núcleo técnico da plataforma, constituído por pesquisadoras e pesquisadores indigenistas especializados em áreas de conhecimento como etnologia indígena, direitos humanos, geoprocessamento, saúde, ecologia e tecnologia da informação. E poder estender e complementar a atuação de diferentes coletivos indígenas que detém as informações nos territórios junto aos pesquisadores dos dados secundários, mas principalmente dados das organizações e comunidades indígenas, todas bases da Coiab e suas redes.
A construção de uma metodologia de monitoramento é o objetivo principal do núcleo técnico da plataforma, que tem se dedicado à definição de diretrizes para o levantamento, tratamento e sistematização de informações a respeito da situação de vulnerabilidade enfrentada pelos povos isolados. Em aprimoramento constante, esta metodologia procura assegurar a confiabilidade dos dados levantados e conferir comparabilidade aos contextos monitorados. E busca sinergias para poder complementar e fornecer diretrizes que reforcem as iniciativas indígenas de monitoramento territorial em toda bacia Amazônica, constantes nas discussões entre as lideranças e coletivos de proteção territorial em toda Amazônia e coordenada pela Coiab através das ferramentas que a Gerência de Monitoramento Territorial Indígena, a GEMTI em conjunto com a Gerências de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (GPIIRC) e Assessoria Jurídica da Coiab tem se debruçado para fortalecer a atuação das lideranças diante do Estado e alianças internacionais.
Vulnerabilidade socioambiental
A avaliação da situação vivenciada pelos povos indígenas isolados tem como base o arcabouço teórico-metodológico de vulnerabilidade proposto pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas. Adaptado para a análise da vulnerabilidade ambiental de Terras Indígenas da Amazônia Legal pelo núcleo técnico da plataforma, o arcabouço apresenta diretrizes para o estudo de sistemas socioambientais suscetíveis aos impactos das mudanças climáticas.
Pela metodologia, o conceito de vulnerabilidade é concebido como “o grau em que um sistema [humano, ambiental ou humano-ambiental] é suscetível a, ou incapaz de lidar, com efeitos adversos de mudanças”. Assim, espera-se que um sistema seja mais vulnerável se estiver exposto a ameaças, se for sensível a elas, e se possuir baixa capacidade de resposta para lidar com as mesmas e seus impactos. A abordagem foi adaptada pelo núcleo técnico da Plataforma Mapi para analisar indicadores diversos para demonstrar a exposição, a sensibilidade e a resiliência dos registros vinculados à existência de povos isolados.
Indicadores
Os dados relativos às ameaças e pressões são mapeados e organizados pela equipe da Mapi com atenção a várias dimensões, cada uma associada a um conjunto de informações temáticas que descrevem os múltiplos fatores e processos que influenciam a situação de vulnerabilidade dos povos isolados.
Conheça as dimensões observáveis na Mapi:
Território
A dimensão fundiária considera dados relativos à situação territorial do registro de presença de povo indígena isolado. Nesta dimensão, compilamos dados sobre a etapa do processo de regularização da Terra Indígena, bem como sobre a presença de Unidades de Conservação, Projetos de Assentamento, Territórios Quilombolas, Imóveis Rurais Certificados e Cadastros Ambientais Rurais sobrepostas à sua área de ocupação e à sua área de entorno. Os dados reunidos nesta dimensão são secundários, disponibilizados por órgãos públicos.
Empreendimentos
A dimensão empreendimentos reúne dados relativos à presença de hidrelétricas, linhas de transmissão, ferrovias, rodovias, dutovias e processos minerários nas áreas de ocupação e entorno dos registros de povos indígenas isolados. Os dados compilados nesta dimensão são secundários, disponibilizados por órgãos públicos.
Meio-ambiente
Na dimensão meio-ambiente, compilamos dados relativos ao desmatamento, degradação e integridade florestal, cicatriz de fogo e focos de calor na área de ocupação e na área de entorno do registro. Dados relativos ao garimpo ilegal também foram considerados nesta dimensão. Os dados que compõem os indicadores de desmatamento, degradação florestal, focos de calor e integridade florestal são disponibilizados periodicamente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Os dados relativos à área queimada, por seu turno, são um produto do sensor Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer (MODIS), ao passo que aqueles relativos ao garimpo ilícito foram obtidos no sítio da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG).
Invasões
Na dimensão invasões, compilamos dados relativos à presença de atividade madeireira, caça, pesca e/ou coleta ilegais, garimpo, narcotráfico e missionários na área de ocupação do registro. Com base no direito ao usufruto exclusivo das TIs garantido aos povos indígenas pela Constituição, todas essas atividades foram consideradas invasões quando realizadas nas TIs sem anuência dos povos que elas ocupam. Os dados que compõem os indicadores desta dimensão foram levantados e sistematizados pelo núcleo técnico da Mapi através de nossas redes regionais.
Governança
A dimensão governança considera dados relativos às ações de monitoramento, proteção e vigilância realizadas pelas Frentes de Proteção Etnoambientais, a disponibilidade de estrutura física e de recursos humanos e a presença de organizações indígenas nas áreas de ocupação dos registros de povos indígenas em isolamento. Os dados que compõem os indicadores desta dimensão foram obtidos junto à Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (CGIIRC/FUNAI) através da Lei de Acesso à Informação. Os dados a respeito da presença de organizações indígenas e indigenistas nos territórios ocupados por isolados, por seu turno, foram levantadas e sistematizadas pelo núcleo técnico da Mapi através de nossas redes regionais.
Saúde
Na dimensão saúde compilamos dados a respeito dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) e Pólos-Base (PBs) responsáveis pela atenção em saúde nas áreas de ocupação e entorno dos registros de povos indígenas isolados monitorados, bem como dados sobre as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSIs) que trabalham nessas regiões e sobre a disponibilidade de Planos de Contingência para Situações de Contato. Os dados que compõem os indicadores desta dimensão foram obtidos junto à Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (SESAI/MS) através da Lei de Acesso à Informação. A COIAB coordenou diversas ações emergenciais durante a pandemia do novo coronavírus e tem assento no Conselho Nacional de Saúde (CNS). A implementação das medidas vinculadas às Ações no Supremo Tribunal Federal (STF), as ADPF’s 709 e 991 garantiram a composição e o reforço das ações preventivas e de proteção dos territórios dos povos indígenas isolados e de recente contato e que ainda se desdobram em decisões favoráveis aos direitos dos povos indígenas. Seguimos nas qualificações das informações e compondo com o Jurídico da COIAB informações pertinente referente ao monitoramento dos planos de barreiras sanitárias e avaliação constante dos Planos de Contingência.
Registros de povos isolados
Atualmente, 28 dos 114 registros de povos indígenas isolados têm sua existência confirmada pela Funai, que contabiliza 26 referências em estudo e 60 registros de informação. Apesar da constante revisão pelo trabalho de qualificação das Frentes de Proteção Etnoambiental, a lista oficial de registros não foi submetida a um reexame sistemático durante o desmonte da política indigenista promovido pelo governo Bolsonaro (2018-2022), motivo pelo qual se encontra desatualizada.
A coleção inaugural da plataforma Mapi disponibiliza ao público um conjunto completo de dados temáticos a respeito das vulnerabilidades vivenciadas pelos registros de povos isolados reconhecidos pelo Estado brasileiro. Concentramos nossos primeiros esforços no monitoramento das ameaças e pressões que incidem sobre os 28 registros confirmados a fim de difundir informações a respeito da situação das áreas que ocupam e de seu entorno. Além dos confirmados, incluímos informações pormenorizadas a respeito de mais 20 referências em estudo e/ou informações em qualificação nesta versão da plataforma, grande parte das quais localizadas em TIs reconhecidas pelo Estado por meio de Portarias de Restrição de Uso ou que estão em processo de regularização. Esta coleção considera, finalmente, 01 registro de presença (Mamoriá) confirmado pela Frente de Proteção Etnoambiental Madeira-Purus em setembro de 2021, mas não oficialmente reconhecido pela FUNAI desde o último governo (2018-2022)
Além disso, as informações junto às organizações indígenas, lideranças e comunidades que compartilham seu território com povos indígenas isolados trazem o desafio da luta pelo reconhecimento como estratégia de precaução em diferentes regiões e situações e invisíveis aos olhos e aparato do Estado. Muitos dos relatos e informações sobre a presença de povos isolados estão em regiões de fronteiras tanto com outros países na bacia Amazônica, mas também nas fronteiras internas do Brasil, aquelas do agronegócio, dos grandes empreendimentos, garimpo, grilagem, desmatamento e muitas outras presenças silenciadas ou silenciosas permanecem em resistência, porém em risco também.