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Genocídio sem fim: nem a morte interrompe violações dos direitos do “índio do buraco”

Casa do indígena. Acervo Opi
Casa do indígena. Acervo Opi

Publicado por Opi

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O OPI denuncia demora no sepultamento do indígena morto há quase dois meses

O Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi) apresenta preocupações ao Ministério Público Federal (MPF), à Polícia Federal (PF), à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) quanto ao sepultamento do indígena em isolamento que habitava a floresta da Terra Indígena (TI) Tanaru.

Desde a data de sua morte, no dia 23 de agosto, até o presente momento, 55 dias depois, a Funai, enquanto órgão responsável pela promoção e proteção aos direitos dos povos indígenas de todo o território nacional, fez manifestação pública sobre o caso em uma única e lacônica nota. Em texto publicado em 27 de agosto, pouco informa a respeito da vida – e dos atentados contra ela – do indígena popularmente conhecido como “índio do buraco”. Informou à população apenas que seu corpo e diversos vestígios foram coletados para análise e levados a Brasília pelo Instituto Nacional de Criminalística (INC).

Desde então, silêncio total. A demora no sepultamento demonstra o descaso com a vida e com a história dele, e mais: trata-se de violência extremada e continuada que perpetua o genocídio do qual esse indígena foi o único sobrevivente. Exigimos esclarecimentos dos órgãos competentes. Se foram concluídos os exames para determinar a causa de sua morte, é injustificável que seu corpo permaneça detido pelo Estado brasileiro. O prolongamento dessa situação é um desrespeito à vontade que ele expressou de modo inequívoco em vida. O “índio do buraco” recusou categoricamente o contato e, a despeito de tentativas de violar sua vontade, resistiu a qualquer aproximação, permanecendo em situação de isolamento até o fim. Preparou-se para o momento de sua morte, no território que defendeu, dentro da floresta da qual fazia parte, tendo sua vontade de ser sepultado ali expressa na forma como foi encontrado: repousava dentro da palhoça, em uma rede tecida por suas mãos, com um cordão de embira contornando a cintura, um “chapéu” de sua elaboração sobre a cabeça, deitado sobre um feixe de fibras que se prendia ao pescoço por uma corda, com a nuca apoiada em um arranjo de plumagens de arara. Ele preparou o próprio repouso no território de onde jamais aceitou sair.

Por mais que diversos interesses estimulem a busca por uma compatibilidade étnica do indígena que habitava a TI Tanaru com outros povos, é fundamental compreender que critério algum permitiria sua associação étnico-cultural unicamente a partir de testes genéticos-biológicos, já que a mera biologia não é capaz de explicar pertencimentos étnicos e vivências comunitárias. A busca por uma história genética desse indígena carece de respaldo científico e, ainda que a demora para o sepultamento pudesse ser justificada pela necessidade de realização de tais exames, os quase dois meses passados desde a notícia de sua morte escandalizam e demonstram o desrespeito com que o Estado trata os povos indígenas, em vida e também na morte.

Não se pode permitir a continuidade da violência contra um povo em qualquer circunstância, mesmo após a morte física de seu último representante. Enquanto sociedade circunscrita a um Estado pluriétnico de direito, não podemos admitir que o processo de genocídio contra o povo do “índio do buraco” prossiga para além de sua morte física, siga permanentemente violentando seus direitos fundamentais. É inacreditável que tal atrocidade continue operando tacitamente sobre seu corpo esfacelado. Portanto, exigimos o imediato e adequado sepultamento de seus restos mortais no território onde viveu os últimos anos e que essa área seja preservada para as futuras gerações como memória do genocídio e da luta indígena.

Imagem de satélite da Terra Indígena Tanaru, uma ilha de floresta no meio do desmatamento em Rondônia

Foto do destaque, casa do indígena. Acervo Opi

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