Dados foram coletados pela plataforma Mapi, do Opi e da Coiab, e enviados ao Ministério dos Povos Indígenas para subsidiar análise técnica sobre o empreendimento
A ferrovia projetada pelo governo brasileiro para transportar soja através das florestas e rios amazônicos também ameaça povos indígenas isolados. Essa é a constatação de estudo feito a partir de dados da Plataforma Mapi, que monitora ameaças a povos indígenas isolados, a pedido da Diretoria de Proteção de Povos Indígenas Isolados do Ministério dos Povos Indígenas. O estudo mostra que a EF-170, conhecida como Ferrogrão, poderá impactar ao menos oito registros de presença de grupos isolados.
Entre os registros que podem ser afetados, seis estão dentro de Terras Indígenas, um está em Unidade de Conservação e outro registro encontra-se em uma área sem qualquer proteção formal. Os registros indicam a presença de indígenas isolados em porções do território brasileiro que o Estado considera para fins de proteção territorial e de direitos. Nos casos analisados são informações nas etapas de estudo e qualificação, o que significa que ainda não foram confirmadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Os dados analisados foram levantados e sistematizados através da Plataforma Mapi (Monitoramento de Ameaças aos Povos Indígenas Isolados), ferramenta geoespacial desenvolvida pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e pelo Observatório dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), com apoio da Operação Amazônia Nativa (Opan). Eles mostram que, considerando-se a área de ocupação e as áreas do entorno de cada registro examinado, a maior ou menor proximidade com o traçado da ferrovia e variáveis como desmatamento e status de proteção legal, a Ferrogrão pode aumentar a vulnerabilidade de grupos isolados.
Apenas quatro dos registros potencialmente impactados estão localizados em Terras Indígenas regularizadas(Menkragnoti, Kayapó, Apiaká/Kayabi e Munduruku), entre os estados do Pará e Mato Grosso. Apesar de considerar que a proteção legal aumenta a capacidade de resistência dos grupos isolados às pressões externas, as quatro terras em questão já são fortemente impactadas por garimpo e desmatamento ilegal, situação que pode ser agravada com a construção da ferrovia.
Dois registros, nas TIs Apiaká do Pontal e Isolados e Sawré-Muybu, encontram-se em territórios indígenas apenas delimitados – em estágio inicial do processo de demarcação – e um terceiro localiza-se na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, Unidade de Conservação de Uso Sustentável. Em todos os casos, há pressão de desmatamento ilegal e grilagem de terras. O registro mais vulnerável entre os oito potencialmente atingidos pela Ferrogrão fica na região da Serra do Cachimbo, fora de qualquer área protegida e sem proteção legal formal, o que o torna altamente vulnerável.
Entre todos registros de presença de grupos isolados analisados, dois podem estar em maior risco pela proximidade com o traçado da ferrovia, no Riozinho do Anfrísio, na região conhecida como Terra do Meio, no interflúvio entre os rios Tapajós e Xingu, no Pará; e o da Terra Indígena Sawré-Muybu. “Essas áreas estão particularmente vulneráveis aos impactos potenciais da ferrovia, uma vez que sua proximidade incrementa a suscetibilidade a invasões e, consequentemente, ao desmatamento e à degradação”, diz o estudo do Opi.
Em todos os casos, o avanço das ameaças compromete não apenas os ecossistemas imprescindíveis à reprodução física e cultural dos povos indígenas isolados, mas também o direito ao isolamento voluntário e aos modos de vida tradicionais ao expô-los ao risco do contato forçado. Os dados demonstram uma pressão fundiária substancial já existente nos entornos dos territórios indígenas isolados
A Ferrogrão pode aumentar a pressão ao facilitar o acesso a essas áreas, por um lado, e ao favorecer a exportação de grãos e a expansão da monocultura de soja, por outro. A consequência pode ser a intensificação de invasões e o agravamento de conflitos territoriais, uma combinação já bem conhecida e de efeitos genocidas. Povos indígenas isolados muito frequentemente são grupos de sobreviventes de massacres provocados por esse tipo de projeto dito de desenvolvimento.
Veja o estudo com dados da plataforma Mapi na íntegra