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Em momento histórico, organizações indígenas e indigenistas se reúnem no Vale do Javari para discutir proteção aos povos isolados

II Intercâmbio entre coletivos indígenas na aldeia Massapê, na Terra Indígena Vale do Javari
Foto: Vicente Buya/Coiab

Publicado por Opi

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Evento também marcou os 3 anos das mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips

Entre 2 e 7 de junho de 2025, 18 organizações indígenas e quatro organizações indigenistas estiveram reunidas na Aldeia Massapê, no rio Itaquaí, na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas. O tema do encontro foi a proteção dos povos indígenas isolados na Amazônia. Os povos de vários territórios onde vivem ou circulam grupos em isolamento trocaram experiências e metodologias que aplicam no cotidiano para a vigilância e o monitoramento de isolados, uma atividade que é responsabilidade do estado brasileiro mas que não pode prescindir dos conhecimentos e da experiência dos coletivos indígenas.

O II Intercâmbio entre coletivos indígenas de vigilância e monitoramento para proteção dos povos isolados foi promovido pela Associação Kanamari do Vale do Javari (Akajava), pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), pelo Observatório dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e Comissão Pró-Indígenas do Acre (CPI Acre). Estavam presentes representantes de nove territórios indígenas e 13 povos de várias regiões da Amazônia. Também apoiaram o evento as organizações indigenistas do Estado brasileiro no Vale do Javari: Distrito Sanitário Especial Indígena, Frente de Proteção Etnoambiental e Coordenação Regional da Funai.

Lideranças indígenas do Vale do Javari participaram do Intercâmbio.
Foto: Vicente Buya/Coiab

Entre os debates, ecoavam as canções Kanamari, inclusive aquela que ficou mundialmente famosa ao ser cantada por Bruno Pereira em uma de suas viagens ao Javari. O Intercâmbio também foi uma maneira de lembrar Bruno e Dom Phillips, assassinados na região em junho de 2022. No dia 5, que marcou os três anos das mortes, os participantes do encontro e o povo Kanamari se reuniram no centro da aldeia Massapê para homenagear o indigenista e o jornalista que morreram em defesa dos povos indígenas e da Amazônia. 

Homenagem Bruno e Dom Aldeia Massapê
Participantes do Intercâmbio reunidos no centro da aldeia Massapê. Foto: Vicente Buya/Coiab

Beatriz Matos, diretora de povos indígenas isolados e de recente contato do Ministério do Povos Indígenas e viúva de Bruno Pereira, participou do intercâmbio e, pela primeira vez, visitou o local onde os corpos de seu marido e de Dom Phillips foram encontrados, nas barrancas do rio Itaquaí. O local é marcado por cruzes plantadas pela Equipe de Vigilância da Univaja (EVU), coletivo de monitoramento e vigilância idealizado e treinado por Bruno, que também foi responsável pela descoberta do local dos assassinatos.

Beatriz Matos, viúva de Bruno Pereira, observa as cruzes homenageando ele e Dom Phillips, no local onde foram assassinados.

“Nunca vamos esquecer, meu amor” escreveu Beatriz em uma rede social. Em sua participação no Intercâmbio, ela destacou o trabalho do MPI coordenando ações integradas entre as forças de segurança no Plano de Proteção Territorial da TI Vale do Javari. Entre junho de 2023 e março de 2025, foram 42 operações interagências. “Para o nosso departamento é fundamental essa oportunidade de ouvir as experiências de diversas terras indígenas na vigilância, monitoramento e proteção dos povos isolados”, destacou.

O trabalho de proteção também é coordenado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que esteve presente na aldeia Massapê e apresentou os trabalhos das 11 Frentes de Proteção Etnoambiental, unidades institucionais responsáveis pela promoção dos direitos dos povos indígenas em isolamento, que atuam em sete estados do bioma amazônico, onde há presença de grupos isolados. “O intercâmbio permite o diálogo e possibilita que os próprios indígenas pensem, junto com a Funai, estratégias que consigam definir ações de proteção dos isolados, principalmente naquelas aldeias que estão próximas aos grupos em isolamento. Temas como compartilhamento territorial, planos de contingência e até mesmo processos educativos relacionados aos povos isolados, de uma forma que a comunidade se comprometa na participação junto ao órgão de estado”, destacou Iltercley Chagas Rodrigues, coordenador da Frente de Proteção do Vale do Javari. 

“O intercâmbio nos mostrou que os povos indígenas que convivem com os parentes isolados podem ser responsáveis pela proteção deles e traçar estratégias como planos de contingência e protocolos para proteger e cuidar desses povos”, ressaltou Manoel Chorimpa, do povo Marubo, um dos organizadores do evento e membro do Opi. 

Participantes do II Intercâmbio na Aldeia Massapê em debate.
Foto: Vicente Buya/Coiab

Como resultado do evento, as 22 organizações indígenas e indigenistas presentes aprovaram uma carta com várias reivindicações dirigidas aos três poderes da República brasileira. Pediram, por exemplo, a incorporação do trabalho dos coletivos indígenas de vigilância e monitoramento na política pública de proteção de povos indígenas isolados e que a Funai respeite os planos comunitários indígenas de proteção dos coletivos isolados;

A carta também reivindica a conclusão da regularização fundiária das Terras Indígenas Kawahiwa do Rio Pardo (MT), Piripkura (MT), Tapayuna (MT), Kaxuyana-Tunayana (PA), Ituna-Itatá (PA), Jacareúba-Katawixi (AM), Pirititi (RR), Mamoriá (AM), Ararà (AM) e Mashco do Chandless (AC), todas habitadas por povos indígenas isolados. E a conclusão da destinação fundiária da TI Tanaru enquanto terra indígena símbolo da luta contra o genocídio dos povos indígenas no Brasil. 

À Funai e ao MPI, os participantes solicitam a publicação da portaria de restrição de uso das áreas de ocupação de povos indígenas isolados de Muru e Iboiaçu (AC), Tapayuna (MT) e da Mata do Mamão (TO), a constituição de um Fundo emergencial para situações de surtos epidêmicos, proteção territorial, emergência climática e situações de contato com grupos em isolamento. 

Os indígenas reivindicam a garantia de representação dentro do Conselho da Política de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato e que sejam reconhecidos representantes dos territórios amazônicos como especialistas de notório saber sobre o tema. Também pediram ao governo brasileiro que assegure a inclusão de discussões sobre os direitos dos povos indígenas isolados na programação da COP 30, que ocorrerá em novembro, em Belém. 

Veja a íntegra da Carta do II Intercâmbio 

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