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Contra pressão de grileiros e políticos, organizações pedem a renovação da restrição de uso da Terra Indígena Ituna Itatá

Mapa da Plataforma Mapi mostra a Terra Ituna Itatá e destaca os focos de desmatamento feitos por invasores no território.
Mapa da Plataforma Mapi

Publicado por Opi

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Portaria venceu no dia 20 de junho e protege grupo indígena em isolamento na região do Médio Xingu, no Pará

É grande a pressão de políticos e grileiros para extinguir a Terra Indígena Ituna Itatá, área onde vivem grupos em isolamento na região do Médio Xingu, no Pará. Desde o mês de abril, em vídeos publicados em redes sociais e até em uma audiência pública promovida pela Assembleia Legislativa do Estado, deputados, prefeitos e vereadores apelam para a narrativa de que não existem indígenas na área e buscam o cancelamento da restrição de uso que protege os povos isolados. 

A área sofreu uma escalada de invasões entre 2016 e 2018 e chegou a ser, em 2019, a terra indígena mais desmatada do Brasil. A partir de 2023, a atuação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), do Ministério Público Federal (MPF) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) garantiu a proteção da Ituna Itatá e a retirada de mais de 2 mil cabeças de gado criados ilegalmente na área. A expulsão dos invasores foi crucial para proteger as florestas que ainda resistem e os indígenas isolados.

No dia 20 de junho expirou a portaria que interdita a terra indígena – instrumento fundamental para evitar a entrada de invasores e a destruição ambiental. Em apoio ao trabalho técnico da Funai, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Observatório dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), a Survival International e o Greenpeace Brasil enviaram carta à presidenta Joenia Wapichana e à ministra Sonia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas, apontando a necessidade de renovação da restrição de uso. 

“Sem a portaria vigente, os indígenas isolados que vivem na terra indígena correm grande perigo”, diz a carta enviada pelas organizações. A carta lembra também que a TI Ituna Itatá foi alvo de grilagem, ocupação ilegal, roubo de terras e desmatamento. “Durante o governo Bolsonaro, até mesmo a portaria que protegia o território correu o risco de não ser renovada. Nessa época, também houve uma forte pressão de políticos locais para a abertura da terra para exploração econômica, inclusive com a utilização do aparato governamental para negar a existência dos indígenas isolados que ali vivem”.

A portaria que protege a Ituna Itatá foi renovada a partir de ordem da Justiça Federal, de 2022, em processo movido pelo MPF e também está assegurada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na ação movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) que pede a garantia dos direitos dos povos indígenas isolados. As decisões do ministro Edson Fachin na Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 991 ordenam que todas as áreas indígenas onde vivem grupos em isolamento sejam protegidas por meio de restrições de uso.

A portaria de restrição de uso é o principal instrumento para garantir a continuidade dos estudos sobre a ocupação da área por indígenas isolados, conter a entrada de invasores e proteger a floresta a qual os indígenas dependem para sobreviver. Ou seja, para que o trabalho técnico da Funai possa continuar sendo realizado, é vital renovar a interdição do território da TI Ituna Itatá: não é possível fazer expedições ou localizar isolados em uma terra arrasada por grileiros e desmatadores. Além disso, sem a restrição, as porteiras estarão abertas para a volta dos invasores o que representa um risco concreto de genocídio no caso de indígenas em isolamento, por não possuírem resistência imunológica a doenças vindas de fora e também pela possibilidade de massacres cometidos por não indígenas. 

De acordo com dados da Plataforma Mapi (Monitoramento de Pressões e Ameaças a Povos Indígenas Isolados), atualmente há 288 imóveis inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR) que estão sobrepostos à cerca de 89,174 % da TI. Todos são cadastros do tipo IRU, que correspondem aos cadastros de imóveis rurais, com situação pendente graças à portaria de restrição de uso que atua como impeditivo para a aprovação desses cadastros. A figura abaixo demonstra a distribuição e a dimensão desses imóveis. A variação de tons de cinza indica ainda a superposição desses cadastros informando a maior pressão fundiária sobre a TI.

Mapa da Plataforma Mapi mostrando registros de Car sobrepostos à Terra Indígena Ituna Itatá.
Mapa: Plataforma Mapi

Dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas espaciais (INPE), apresentados no gráfico abaixo, demonstram que a TI começa a sofrer com o desmatamento no ano de 2016 e tem aumento significativo nos dois anos subsequentes. Em 2019, a supressão florestal atingiu níveis tão elevados que a TI foi considerada a mais desmatada do Brasil. Cerca de 12 mil hectares foram desmatados, o que representa cerca de 8% de sua superfície. Em 2020, apesar da redução, os números permaneceram elevados, alcançando cerca de 6 mil hectares. 

Gráfico mostrando a evolução do desmatamento na TI Ituna Itatá entre 2007 e 2023.
Fonte: Plataforma Mapi
Mapa da Plataforma Mapi mostra a Terra Ituna Itatá e destaca os focos de desmatamento feitos por invasores no território.
Mapa da Plataforma Mapi

A proteção territorial da região do Médio Xingu, é importante destacar, integra o conjunto de condicionantes indígenas da usina hidrelétrica de Belo Monte e foi objeto de disputa judicial pelos inúmeros atrasos da concessionária Norte Energia na entrega das bases de proteção. Hoje, as bases funcionam precariamente e uma condicionante que previa a implantação de um corredor ecológico, incluindo a Ituna Itatá, para conter a devastação das florestas, não foi cumprida pelo governo brasileiro. 

Os dados de desmatamento na Ituna demonstram também as consequências da flexibilização dos controles ambientais a partir do governo de Michel Temer em 2016, em um processo de devastação de áreas de floresta manejadas e protegidas por povos indígenas que se aprofundou em 2018 com a eleição de Jair Bolsonaro. Atualmente, as ameaças se renovam com a tramitação do projeto de lei 2.159/2021, o PL da Devastação, que prevê ainda mais afrouxamento da legislação ambiental. 

Veja a íntegra da carta enviada pelas organizações

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