O Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), informa que foram confirmados os primeiros casos positivos de Coronavírus no povo Awa Guajá, considerado de recente contato. No dia 04 de maio de 2020, o indígena Irakatakua Awa Guajá foi internado na UPA do Araçagi, no município de São Luís, no Maranhão, com suspeita de infecção por Covid-19, o que viria a ser confirmado por exame em seguida. No dia 02 de junho de 2020 foi confirmado que sua esposa e seu filho recém-nascido também haviam sido contaminados. A família encontrava-se em São Luís/MA para tratar de questões de saúde relacionadas ao bebê e foi contaminada por Covid-19 dentro da Casa de Saúde do Índio (CASAI) de São Luís.
Sabendo que, de acordo com o art. 4º da Portaria Conjunta nº 4.094/2018, firmada entre o Ministério da Saúde e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI):
“As situações de contato, surtos e epidemias envolvendo os Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato devem ser consideradas emergência em saúde e requerem medidas imediatas e adequadas para reduzir a morbimortalidade associada à quebra de isolamento ou adoecimento”,
É inaceitável a constatação de que uma família inteira de indígenas de recente contato tenha contraído a doença quando estava sob a responsabilidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e abrigados na CASAI. O espaço passou por desinfecção somente após o ocorrido, mas os profissionais que atuam na CASAI seguem sem cumprir quarentena e sem realizar testes periodicamente.
Soma-se a isso o fato de que a quarentena não tem sido cumprida adequadamente pelos profissionais de saúde que trabalham nas terras indígenas (TIs) em que vivem esse povo de recente contato, fato enfatizado pelos próprios Awa Guajá por meio de dois documentos escritos via Associação Arari, que representa os Awa das TIs Caru e Awa. No primeiro deles, os Awa Guajá cobram que os motoristas que prestam serviço ao Distritos Sanitários Especial Indígenas (DSEI) cumpram quarentena, o que não estava ocorrendo. No outro documento, de 04 de maio de 2020, os Awa Guajá explicitam suas estratégias próprias para a prevenção do contágio do Coronavírus, as quais realizaram também em outras inúmeras epidemias a que foram acometidos no passado:
“Continuamos mantendo nossa estratégia para nos protegermos, sendo elas: ficar o máximo de tempo possível na mata; não sair do território, exceto em caso de emergência; permitir apenas a entrada de pessoas que passaram por quarentena”.
Em decisão reforçada em reunião ocorrida no dia 16 de junho de 2020 na aldeia Awa, Terra Indígena Caru, os Awa Guajá voltaram a enfatizar que não autorizam o ingresso de pessoas em seus territórios que não tiverem cumprido a quarentena ou não tenham sido testados.Todos esses cuidados tomados pelos Awa Guajá têm evitado, até o momento, que a doença chegue às aldeias onde eles vivem, o que não impediu, infelizmente, que os primeiros indígenas desse- povo fossem contaminados na CASAI de São Luís.
Há, além disso, o fato preocupante de que tem se constatado, no estado do Maranhão, um aumento crescente no número de casos de infecção por Coronavírus em povoados e municípios próximos às aldeias Awa e às TIs onde há registro da presença de indivíduos desta etnia que vivem em situação de isolamento voluntário, como a TIs Awa e Araribóia. Nessa última, inclusive, já foram detectados casos positivos da doença. Nesse contexto, a preocupação com as contínuas invasões aos seus territórios, que se mantêm na pandemia, torna-se ainda maior.
Algumas considerações sobre as dificuldades enfrentadas pelos Awa Guajá para evitar o avanço do Coronavírus para dentro das TIs foram apontadas em documento elaborado por Marina Maria Silva Magalhães e Uirá Felippe Garcia, entregue ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). Ele trata sobre a prestação do serviço de saúde a esse povo com relação à execução do Plano de Contingência, abordando problemas como a falta de Equipamentos de Proteção Individuais(EPIs) e demais materiais hospitalares e de higiene, ausência de testagem dos profissionais antes do ingresso nas terras indígenas, entre outros.
No último dia 19 de junho, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública (ACP) com pedido de liminar, na Justiça Federal no Maranhão, contra a União e a Funai para que realizem, no prazo de dez dias, ações para dar efetivação ao Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus (covid-19) em Povos Indígenas do Distrito Sanitário Especial Indígena do Maranhão (Dsei/MA)”[1].
A ACP indica ainda que “devem ser realizadas ações de controle e fiscalização sobre o fluxo de entrada e saída nas terras indígenas (TI) do estado do Maranhão, disponibilizando servidores, recursos financeiros, materiais e insumos à Coordenação Regional do Estado e à Coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental Awá (FPEA)[2], com vistas à proteção das comunidades indígenas durante o período da covid-19”.
Uma vez que os povos isolados e de recente contato estão em situação preocupante de vulnerabilidade socio-epidemmiologica, o Opi alerta mais uma vez que as ações de saúde devem ser emergenciais, específicas e adequadas à sua realidade, principalmente no atual contexto de pandemia.
Assim, a implementação dos protocolos dispostos no Plano de Contingência deve ser observada e cumprida com a máxima seriedade para que os Awa Guajá não fiquem em situação ainda mais vulnerável e que o caso da família de Irakatakua Awa Guajá, contaminado fora da TI, permaneça sendo a única triste história a ser relatada de caso de Coronavírus entre esse povo.
[1] A ACP na íntegra encontra-se disponível em http://www.mpf.mp.br/ma/sala-de-imprensa/docs/PRMAMANIFESTACAO745420202.pdf
[2] A Frente de proteção Etnoambiental Awa é a unidade descentralizada da FUNAI que presta atendimento ao povo indígena de recente contato Awa e que monitora os registros de grupos isolados presentes na região.