Publicado no Diário Oficial da União em 18 de novembro de 2025, o Decreto nº 12.720 reconhece oficialmente a posse permanente dos povos indígenas Karib e de grupos em isolamento sobre mais de 2 milhões de hectares no Pará e Amazonas
Foi homologada nesta terça-feira, 18/11, por meio do Decreto nº 12.720, a Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana, localizada nos municípios de Faro e Oriximiná, no Pará, e Nhamundá, no Amazonas. A decisão marca o reconhecimento oficial de um território reivindicado desde 2002, consolidando uma reparação histórica após mais de duas décadas de mobilização de lideranças indígenas, organizações da sociedade civil e aliados institucionais.
Com mais de 2 milhões de hectares de florestas preservadas, a TI Kaxuyana-Tunayana é a maior Terra Indígena homologada na última década. O decreto presidencial assegura a posse permanente dos povos Katxuyana, Tunayana, Kahyana, Katwena, Mawayana, Txikyana, Xerew-Hixkaryana, Xerew-Katwena e de grupos indígenas em isolamento, reforçando o compromisso constitucional com os direitos originários dos povos indígenas.
A homologação é uma reparação histórica que reconhece os impactos profundos da remoção compulsória de diferentes grupos indígenas da região, realizada durante o regime da ditadura militar brasileira, que, entre as décadas de 1960 e 1970, promoveu o deslocamento forçado de diversas famílias para missões religiosas, como estratégia de controle e pacificação de territórios na Amazônia. O afastamento compulsório de seus modos de vida e territórios deixou marcas profundas nas gerações seguintes, tornando a homologação um marco simbólico e político de justiça territorial.
O anúncio da homologação foi feito em uma cerimônia cheia de emoção em Belém, durante a COP 30. Na mesma ocasião também foram homologadas as terras indígenas Manoki, Estação Parecis e Uirapuru, todas no Mato Grosso e declarados outros 10 territórios, que agora passam às etapas finais do processo demarcatório. Além disso, o governo federal concluiu o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) de 6 terras indígenas, incluindo o da TI Riozinho do Iaco, no Acre, onde há registro de isolados Mashco Piro. Foi ainda renovada a portaria de Restrição de Uso da Terra Indígena Tanaru, em Rondônia, onde viveu o indígena conhecido como índio do buraco, morto em 2022 após 26 anos de isolamento. A terra permanecerá interditada por ordem do STF na ADPF 991.
Proteção aos povos isolados e ao corredor Wayamu
A Terra Indígena Kaxuyana Tunayana abriga dois registros oficiais de presença de povos indígenas em isolamento reconhecidos pela Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, sendo um classificado como “informação” e outro como “em estudo”. Ambos estão conectados a outros cinco registros localizados no Território Wayamu, um complexo territorial que ultrapassa os 7 milhões de hectares e abrange outras duas TIs homologadas (Trombetas-Mapuera, Nhamundá-Mapuera) e uma em identificação (Ararî).
Anciões e anciãs da TI Kaxuyana-Tunayana apontam que esses grupos isolados são descendentes de famílias que resistiram à presença missionária e à expansão não indígena desde meados do século XX, optando por permanecer nas matas profundas da bacia do Trombetas. Conhecidos como os enîhnî komo (“não vistos”, no idioma waiwai) ou txenehïm kumu (“os que não vemos”, nas línguas katxuyana e kahyana), são considerados parentes próximos por diversas comunidades do território.
Processo de demarcação e articulação interestadual
A Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana foi formalmente reivindicada em 2002. Em 2008, a Funai instituiu o Grupo de Trabalho para elaboração do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), aprovado em 2013. A Portaria de delimitação foi publicada em 2015, e os trabalhos de demarcação física foram concluídos em setembro de 2025, com apoio do Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígenas e das próprias associações e comunidades indígenas.
A homologação coroa um longo processo de reivindicação, marcado por articulações interestaduais, campanhas públicas e mobilizações. Ela assegura não apenas os direitos dos povos indígenas à terra, mas também a integridade ecológica de uma das regiões mais biodiversas e bem preservadas da Amazônia.
Desafios fundiários e sobreposições
À TI Kaxuyana-Tunayana, está parcialmente sobreposto o Território Quilombola de Cachoeira Porteira, cuja titulação foi realizada pelo Governo do Pará em 28 de fevereiro de 2018, por meio da Portaria do Instituto de Terras do Pará nº 119/2018, com área total de 225 mil hectares, três anos após a delimitação oficial da Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana, em 2015. Não houve qualquer contestação à delimitação da TI no prazo legal de 90 dias, o que consolidou sua base jurídica e técnica junto à Funai.
Nesse contexto, a homologação da TI Kaxuyana-Tunayana representa um passo decisivo para a resolução dessa sobreposição fundiária, que corresponde a cerca de 21 mil hectares, o equivalente a 9,3% da área total da Terra Indígena. Permite, ainda, garantir segurança jurídica e promover arranjos de governança compartilhada entre povos indígenas e comunidades quilombolas, com vistas à proteção integrada dos territórios e à continuidade dos modos de vida tradicionais no norte do Pará.
O Opi celebra a homologação da Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana como um marco histórico para os direitos territoriais dos povos indígenas na Amazônia e parabeniza todas as comunidades, lideranças e organizações indígenas e não-indígenas que contribuíram para essa conquista. Trata-se de um avanço decisivo para a proteção de povos indígenas isolados para a consolidação do mosaico de áreas protegidas que compõe o Território Wayamu.


