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A segunda redemocratização e o Ministério dos Povos Indígenas. Oportunidade histórica para avanços na política para povos isolados e de recente contato.

O presidente Lula deu posse a Sonia Guajajara no Ministério dos Povos Indígenas e a Anielle Franco no Ministério da Igualdade Racial, em cerimônia carregada de emoção no último dia 11. Foto: Ricardo Stuckert
O presidente Lula deu posse a Sonia Guajajara no Ministério dos Povos Indígenas e a Anielle Franco no Ministério da Igualdade Racial, em cerimônia carregada de emoção no último dia 11. Foto: Ricardo Stuckert

Publicado por Opi

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Criação de departamento específico para articular essa política indica seriedade para o enfrentamento de desafios históricos

O país empossou oficialmente Sonia Guajajara como primeira mulher indígena ministra de estado na história do Brasil. O Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi) aproveita o momento para ressaltar a oportunidade que se abre, com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, para o respeito à vida e autodeterminação dos povos isolados e de recente contato.

O MPI representa um avanço histórico no que diz respeito à efetiva participação indígena nos processos decisórios da gestão governamental, no torto e extenso caminho já percorrido pela política indigenista no Brasil. O novo ministério tem potencial para uma atuação transformadora sobre a política voltada para os grupos isolados e de recente contato e, ao incluir na sua estrutura o Departamento de Proteção Territorial e de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, já indica que levará com seriedade o enfrentamento dos desafios históricos desses grupos.

Em seu discurso de posse a ministra Sonia Guajajara apontou os povos indígenas isolados e de recente contato como em “estado de alta vulnerabilidade” e ressaltou que muitos vivem em situação de emergência humanitária, assolados por grileiros, garimpeiros ilegais e madeireiros, ressaltando a grave situação da terra indígena Yanomami. “Lembremos a força daqueles que tombaramna luta como Paulino, Janildo, Jael e Antonio Guajajara, Ari Uru Eu Wau Wau, Dayane Kaingang, Estela Verá Guarani Kaiowa, Wellington Pataxó, Ariane Oliveira, a menina Raissa e tantos outros parentes vitimados pelo garimpo ilegal, pelas invasões de seus territórios e por tantas outras ações e omissões do Estado. Além disso, preciso destacar a força de Bruno Pereira e Dom Philips, em memória de quem saúdo todos os nossos aliados e aliadas defensores do meio ambiente e dos direitos humanos”, disse.

“Hoje, vocês todos estão presenciando um momento de transição histórica, tal qual foi a singular colaboração indígena, na Assembleia Nacional Constituinte. Naquela ocasião, um passo muito importante foi dado com o fim do paradigma integracionista e da tutela. Hoje, vocês presenciam um passo ainda maior com este Ministério dos Povos Indígenas e esperamos, com isso, fazer respeitar a nossa existência e o nosso protagonismo”, avaliou a ministra em sua cerimônia de posse, no dia 11 de janeiro.

Estamos mesmo em um momento comparável ao da redemocratização após a ditadura militar – com as inseguranças e desafios comparáveis também, como demonstram os ataques golpistas de 8 de janeiro. A queda do governo anti-democrático e anti-indígena de Bolsonaro e o resgate de agendas relacionadas aos direitos humanos e ao meio ambiente são fortes sintomas da retomada democrática, uma segunda redemocratização.

Parece se conformar um ambiente propício para importantes avanços, fazendo relembrar o que ocorreu nos fins da década de 1980 e início de 90. No tema dos povos isolados e de recente contato, a primeira redemocratização correspondeu a avanços muito importantes, dos quais a política de não-contato é a expressão mais evidente. Agora, novas demandas podem trazer mudanças igualmente marcantes.

Uma dessas mudanças seria a abertura maior da política voltada para os povos isolados e de recente contato, com a consolidação de espaços de participação como o Conselho da Política de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, criado formalmente em 2016 e que agora pode efetivamente ser instalado. O retraimento à participação ativa do movimento indígena e da sociedade civil é um aspecto fundante da política indigenista voltada aos povos isolados, principalmente pela necessidade imperiosa de cuidado com as informações sobre a localização desses grupos. Mas a abertura à participação, tomados os devidos cuidados, é possível e um dos desafios para o MPI.

O apoio efetivo às iniciativas indígenas voltadas aos coletivos em isolamento no interior dos territórios é outro. Muitos grupos em isolamento compartilham territórios demarcados com comunidades que mantém contato com a sociedade envolvente e essas comunidades têm papel fundamental para a manutenção das áreas e monitoramento dos isolados, que deve ser reconhecido e apoiado pelos organismos estatais.

Aprimoramentos normativos são também necessários, a exemplo dos processos de consulta no caso de povos indígenas isolados no contexto de licenciamento ambiental de obras de grande impacto;, e o aperfeiçoamento do instrumento de Restrição de Uso, mecanismo de precaução por excelência. Vale lembrar da Resolução n. 44 de 2020 do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que trata sobre princípios, diretrizes e recomendações para a garantia dos direitos humanos dos povos indígenas isolados e de recente contato, bem como para a salvaguarda da vida e bem-estar desses povos, importante norteadora para avanços efetivos tanto a nível normativo quanto metodológico.

Em relação aos denominados “povos de recente contato”, a criação e implementação de programas específicos, a nível intersetorial e interinstitucional, também é forte pauta estratégica, recorrente demanda dos técnicos especializados e organizações indígenas. Ademais, a assistência em saúde adequada e acesso específico a direitos sociais também figuram como importantes desafios estruturantes.

Outra forte demanda, alicerce da política indigenista, são os processos para reconhecimento oficial da presença de indígenas isolados. Hoje o Estado brasileiro reconhece 114 registros da presença de indígenas isolados, mas, destes, apenas 28 são confirmados. Há um fluxo administrativo para esse reconhecimento que também requer atualizações e aprimoramentos. Os restantes 86 registros permanecem ainda por confirmar e carecem, portanto, de sistemáticos processos de pesquisa com vistas ao reconhecimento da presença. Por isso, o aprimoramento do processo de reconhecimento da presença de indígenas isolados também é forte pauta de avanços, e isso inclui as metodologias de campo.

O monitoramento de ameaças, riscos e vulnerabilidades se afirma como importante instrumento de planejamento para os avanços propostos. Acrescenta-se, por fim, a necessidade de regulamentação do trabalho específico dos servidores das Frentes de Proteção Etnoambiental (FPEs), com a efetivação do seu poder de polícia e sua formação continuada, já que a proteção dos territórios é aspecto fundamental para a garantia da vida, do bem viver e da autonomia dos grupos em isolamento e é realizada pelas onze FPE por meio das mais de duas dezenas de Bases localizadas em lugares estratégicos.

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