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A ADPF 709 e seu papel histórico na proteção de povos indígenas isolados e de recente contato

Vacinação prioritária para indígenas durante a pandemia de covid-19. Foto: Apib
Vacinação prioritária para indígenas durante a pandemia de covid-19. Foto: Apib

Publicado por Opi

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Encerrado recentemente pelo STF, o processo foi iniciado pela Apib em 2020, durante a pandemia de covid-19 e foi crucial para salvar vidas e proteger territórios

No último dia 26 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou um de seus processos mais emblemáticos na história recente do país, a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 709, ajuizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em 2020, em plena pandemia de Covid-19. A ADPF 709 cumpriu um papel fundamental na proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato, durante um dos momentos mais críticos da humanidade. 

Na época da propositura da ação judicial, a crise sanitária estava começando e sendo agravada dia a dia pela incompetência e negligência intencional dos gestores públicos que estavam à frente da Funai, sob o comando de Marcelo Xavier, durante o governo Bolsonaro. O cenário que se desenhava então, para os povos indígenas e para a sociedade brasileira em geral, era catastrófico. Mais de 700 mil brasileiros pereceram como resultado das políticas bolsonaristas em meio à pandemia. 

Nesse contexto, a ADPF 709 salvou uma quantidade inestimável de vidas indígenas, sobretudo de povos isolados e de recente contato. A circulação do vírus letal poderia ter significado o desaparecimento de povos inteiros, como já registrado em outros momentos na história brasileira, mas, ao estabelecer barreiras sanitárias e criar uma instância de monitoramento do cumprimento das decisões do tribunal, com a Sala de Situação, o STF conseguiu efetivamente promover a proteção de vidas indígenas, mesmo em um contexto em que o Poder Executivo trabalhava ativamente para sabotar essa proteção. 

Dedicado a avaliar todas as medidas tomadas, o mecanismo da Sala de Situação, permitiu, com erros e acertos, que a sociedade civil pudesse fiscalizar em tempo real todas as ações tomadas pelo governo federal para a proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato. Após a pandemia, a ADPF 709 seguiu avançando em medidas cruciais para desintrusão de territórios indígenas que haviam sido enormemente impactados pelas políticas do governo anti-indígena de Jair Bolsonaro. 

O ineditismo do processo judicial iniciado pela Apib 

Ao propor no STF a ADPF 709, o movimento indígena brasileiro tirou do papel um artigo do capítulo dos direitos indígenas da Constituição brasileira, o artigo 232, com o reconhecimento da Apib como parte legítima para ingressar na Suprema Corte em favor de seus interesses e direitos. A ADPF 709 foi a primeira a ser recepcionada em um momento em que, no contexto de um governo anti-indígena, até o Ministério Público Federal (MPF) teve sua atuação comprometida na defesa dos povos.

O processo também foi o primeiro definido como estrutural pelo STF. A inovação, introduzida pela doutrina jurídica, pretende transformar situações de grande complexidade, que se apresentam como um estado de coisas em desconformidade com a Constituição e caracterizadas pela violação generalizada de direitos fundamentais. Para contextos de tal gravidade, são necessárias soluções que ultrapassam as medidas judiciais tradicionais, exigindo a elaboração de políticas públicas, o estabelecimento de instâncias de controle social e mesmo a reformulação de instituições estatais.

Ao encerrar a ADPF 709, o relator, ministro Luís Barroso, ressaltou que a efetividade do processo estrutural pode ser mensurada pelo fato de que as instituições responsáveis pela proteção e promoção de direitos indígenas saíram da inércia. Um exemplo dessa efetividade é o estabelecimento, pelo governo federal, do Comitê de Desintrusãoões, uma estrutura interministerial que coordenou e segue coordenando processos de retirada de invasores das Terras Indígenas. 

Balanço

O governo brasileiro apresentou, após o encerramento do processo judicial, um balanço que mostra a realização de operações em nove territórios indígenas a partir de 2023, com a retirada de invasores e a proteção efetiva de 58 mil indígenas e de 18,7 milhões de hectares de terras. Foram feitas desintrusões na Terra Indígena (TI) Apyterewa, do povo Parakanã, de recente contato; TI Trincheira Bacajá, do povo Xikrin, TI Karipuna, do povo Karipuna, TI Munduruku e TI Sai Cinza, do povo Munduruku, TI Kayapó, do povo Kayapó, TI Araribóia, dos povos Guajajara e Awá-Guajá, TI Yanomami, dos povos Yanomami e Yekuana e TI Uru-Eu-Wau-Wau, dos povos Amondawa e Jupaú. 

As operações seguem em andamento, no âmbito da Petição 9.585, em duas áreas estratégicas: na Terra Indígena Yanomami, onde o garimpo ilegal foi reduzido em 98%, e na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, que teve início no último dia 08 de setembro e onde já há resultados parciais de combate à exploração madeireira. Há presença de isolados em sete desses nove territórios que passaram por operação de desintrusão, um indicativo do papel crucial da ADPF 709 na proteção dos grupos em isolamento. 

Com reuniões periódicas, a Sala de Situação – da qual o Opi participa como entidade especialista convidada – também seguirá funcionando como política permanente de acompanhamento da saúde indígena, com o objetivo de avaliar e discutir os planos de sustentabilidade das desintrusões, bem como os aperfeiçoamentos necessários na política de integridade territorial indígena.

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