Dados da Coiab mostram severidade sem precedentes da seca dos rios e relatos de fome e dificuldade de atendimento à saúde chegam de várias regiões do bioma
Apoiado em dados sobre a severidade sem precedentes da seca e sobre o alastramento descontrolado de focos de calor na Amazônia, o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi) enviou ofícios ao Ministério da Justiça, Ministério dos Povos Indígenas, Ministério Público Federal, Fundação Nacional dos Povos Indígenas e Secretaria Especial de Saúde Indígena questionando sobre o planejamento de medidas para mitigar os efeitos nas terras indígenas da região.
O Opi perguntou às autoridades que medidas estão sendo tomadas para: assegurar a entrega de alimentos para comunidades em situação de insegurança alimentar; o acesso à água potável para as regiões em que a estiagem provoca um quadro de seca extrema ou grave; apoiar as brigadas indígenas para o combate essencial ao fogo florestal; garantir o atendimento de saúde em aldeias isoladas pela seca e pelo fogo; monitorar a condição de acesso à água e alimentos dos povos indígenas isolados, que pela própria condição estão mais vulneráveis aos efeitos adversos das intensas mudanças climáticas no bioma Amazônia; e por fim, sobre a construção de planos de contingência voltados a situações como a atual, tendo em vista o agravamento evidente da emergência climática e seus efeitos diretos nos territórios indígenas da Amazônia
In estudo lançado em setembro na Semana do Clima em NY, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira divulgou ao mundo a gravidade da seca e da estiagem. De acordo com o estudo, 149 terras estão em contexto de seca extrema ou grave. 42 estão em processo extremo, o que significa escassez de água, seca absoluta dos rios, perdas de roças, pastagens e florestas. A área desses territórios em condição extrema de seca corresponde a 53% de todas as áreas indígenas da região.
Em outro estudo, lançado mais recentemente pela Coiab e pelo Opi durante a COP 16, em Cali, na Colômbia, foram analisados dados sobre o as queimadas descontroladas que também atingiram vários territórios indígenas da região, inclusive os que têm presença de grupos isolados. Apesar dos dados relativos ao ano atual serem parciais (até setembro), 2024 já excede o recorde da série histórica em 3.918 focos. Comparado com o segundo pior ano, 2020 (com 5.187 focos), 2024 teve um número 75,5% maior de focos de calor, o que aponta para um agravamento contínuo das pressões ambientais e possivelmente uma combinação de fatores climáticos e ações humanas.
O Opi relata no ofício uma série de pedidos de socorro que chegaram de várias regiões do bioma desde julho, quando as condições climáticas começaram a se agravar. Aldeias inteiras entraram em situação de insegurança alimentar, pela perda de roças para o fogo, pela impossibilidade de pescar ou dificuldade de acessar as cidades do entorno para comprar alimentos.
A emergência humanitária atingiu, por exemplo, os povos Oro Win e Cabixi, na região em que o rio Pacaás Novos adentra a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, pediram socorro desde setembro, quando o rio chegou a níveis nunca antes constatados pelos moradores. A seca impediu os deslocamentos entre as comunidades e tornou a pesca escassa.
No Mato Grosso, na TI Capoto/Jarina, no dia 1º de setembro, um grande incêndio atingiu as roças dos Kajkwakhratxi (Tapayuna), destruindo todas as plantações da comunidade. O que seguiu-se foi um cenário de absoluta destruição, com uma fumaça espessa pairando pela aldeia Kawêrêtxikô por mais de um mês, quase todos os 214 moradores com algum tipo de doença respiratória, crianças e idosos precisando ser removidos às pressas para a cidade, falta de medicamentos e uma situação de gravíssima insegurança alimentar na comunidade. Diante de tal urgência, e como a fome não espera, o Opi juntou-se a outras organizações da sociedade civil parceiras dos Kajkwakhratxi na criação de uma campanha emergencial para a compra de cestas básicas.
Na Terra Indígena Vale do Javari, que abriga o maior número de grupos indígenas isolados do mundo, a seca isolou 74 aldeias e tornou impossível o trânsito pelos rios, o que elevou os preços dos insumos básicos para sobrevivência, provocou insegurança alimentar e dificuldades também para o acesso à saúde. Em nota, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), pediu apoio governamental para que sejam disponibilizadas aeronaves com maior capacidade de carga e passageiros para permitir a rotação das equipes de saúde que atendem o território e a entrega de medicamentos e insumos.
Na Terra Indígena Mamoadate, no Acre, na fronteira entre Brasil e Peru, a combinação da seca com a fumaça das queimadas vem provocando doenças e impactando diretamente os isolados Mashco-Piro que transitam sazonalmente entre os dois países. Em setembro, a parteira e curadora Maria Artur Manchineri faleceu na cidade de Assis Brasil e o helicóptero da Sesai não conseguiu levantar voo, por causa da fumaça dos incêndios florestais, para levar seu corpo para os ritos funerários na aldeia Extrema, onde morava. O resgate de doentes está praticamente impossibilitado pela condição de emergência climática e pelo salto assustador nos focos de fogo.