Opi denuncia desde 2020 as pressões políticas e o envolvimento de servidores da Funai nas tentativas de extinguir a proteção da área de povos isolados no médio Xingu
Em operação conjunta ontem (14), a Polícia Federal, o Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) fizeram avanços importantes nas investigações sobre a devastação da terra indígena Ituna Itatá, no Pará, atacada por grileiros e desmatadores criminosos que chegaram a derrubar mais de 20 mil hectares de floresta na área entre 2019 e 2021. A terra tem presença de isolados e o Opi (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato) vem denunciando desde 2020 as pressões políticas e o possível envolvimento de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) em tentativas de extinguir a proteção do território.
Agentes da PF cumpriram mandados de busca e apreensão em 16 endereços em cinco estados (DF, PA, TO, BA e MG), inclusive na sede da Funai em Brasília e na residência do atual titular da Coordenação de Índios Isolados e de Recente Contato (Cgiirc) da Fundação, Geovânio Pantoja, conhecido como Katukina. Ao mesmo tempo, equipes do Ibama estiveram no interior da Ituna Itatá e desmobilizaram uma vila inteira construída pelos invasores para dar apoio logístico às ações criminosas de desmatamento e grilagem. As estruturas foram queimadas e os invasores retirados do local. O Ibama anunciou que a atuação dentro da área vai prosseguir com a retirada de gado ilegal.
As investigações conduzidas pelo MPF nos últimos dois anos demonstraram a existência de um grupo composto por grileiros, fazendeiros e servidores públicos com o propósito de comercializar áreas da TI. Os investigados podem ser acusados de crimes ambientais, organização criminosa, advocacia administrativa, prevaricação e outros crimes. Em Altamira (PA), um dos alvos da operação, investigado por grilagem, foi preso em flagrante por armazenar pornografia infantil. No município também foram apreendidas duas armas.
Invasões e devastação
O Opi denuncia a situação da Ituna Itatá desde 2020, quanto a TI foi considerada a mais desmatada do Brasil. A área passou a ser alvo da grilagem a partir do final de 2016, após o início das operações da usina de Belo Monte, mas em 2019 o desmatamento explodiu com aumento de cerca de 700%. De acordo com relatório do Opi e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), entre 2019 e 2021 foram devastados mais de 20 mil hectares de florestas na área com a perda de cerca de 12,9 mil árvores adultas.
In relatório técnico de 2020, enviado ao MPF, o Opi registra a pressão de políticos e ruralistas para que fosse anulada a restrição de uso da TI Ituna Itatá, com os argumentos de que não existem indígenas isolados e também que os grileiros estariam na região antes da primeira portaria de restrição de uso, emitida em 2011. A área foi restringida como uma das condições de viabilidade para as obras de Belo Monte, porque foi previsto, nos estudos de impacto, um alto risco de invasão do território e a ameaça de genocídio do grupo isolado.
Em setembro de 2021 foi realizada uma expedição da Funai para confirmar a presença dos isolados. A equipe especializada recomendou que fosse mantida a restrição de uso, com base nos vestígios encontrados, mas a presidência da Fundação não acatou a recomendação técnica. A Funai chegou a enviar nota à imprensa na época refutando a existência dos isolados, uma atitude sem precedentes na história da Fundação. Geovânio Katukina elaborou documentações sem embasamento técnico para tentar refutar a presença dos indígenas, o que foi denunciado pelo Opi. Em janeiro de 2022, o MPF entrou com ação judicial e obteve liminar que obrigou a reedição da portaria de restrição de uso. O Opi alertou, na época, que a tentativa de extinguir a Terra Indígena Ituna-Itatá configuraria crime contra a humanidade.