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Nota de repúdio contra declaração genocida do coordenador regional da Funai no Vale do Javari

Maloca no Vale do Javari - crédito: Fabrício Amorim
Maloca no Vale do Javari - crédito: Fabrício Amorim

Published by Opi

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Em áudio divulgado nesta quinta-feira (22) pelo jornal Folha de São Paulo, o tenente da reserva do Exército Brasileiro e coordenador regional da Funai no Vale do Javari (AM), responsável pela política pública indigenista para povos contatados, é flagrado incitando indígenas do povo Marubo a agredirem os povos isolados com quem compartilham o mesmo território. Henry Charlles Lima da Silva disse que pressionaria a Frente de Proteção Etnoambiental, unidade da Funai responsável pelos trabalhos com indígenas isolados e de recente contato, dizendo: “vocês têm que cuidar dos isolados porque senão eu vou junto com os Marubo meter fogo nos isolados”. 

Cabe esclarecer que a Terra Indígena Vale do Javari é historicamente palco de conflitos decorrentes de invasões e massacres perpetrados por atores não-indígenas, inclusive pelo próprio Estado brasileiro, contra povos indígenas isolados. Mais de cinco dezenas desses conflitos foram registrados pela Funai e para alguns, os massacres de índios isolados, ainda temos testemunhas e agressores vivos e livres.

Conflitos entre grupos indígenas também fazem parte da história do Vale do Javari e mais recentemente (2014) um deles, entre Matis e Korubo, trouxe bastante tensões e mortes de ambos os lados. Qualquer indigenista com o mínimo de conhecimento dessa realidade do Vale do Javari e do poder que tem a palavra de coordenador da Funai, que representa regimentalmente o presidente do órgão na região, não poderia se portar como fez o militar Lima da Silva. A sua postura poderia ser facilmente interpretada como um salvo conduto e estímulo para os Marubo resolverem suas questões com os isolados de forma violenta. 

Contudo, o recado que nos chega das aldeias Marubo do Rio Ituí e de suas organizações representativas, aqui destacamos a Organização das Aldeias Marubo do Rio Ituí – OAMI e a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari – UNIVAJA, é que a suas vontades e atos são outros, de apaziguar os ânimos e mediar o diálogo entre os Marubo e o órgão indigenista no intuito de construir um caminho de convivência com os indígenas isolados.

Além do mais, a política indigenista brasileira, desde a criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), em 1910, tem se proposto a mediar e apaziguar conflitos, não em provocá-los, embora ao longo do século XX tenhamos visto práticas tanto do SPI quanto da Funai de violências contra os povos indígenas, conforme comprovado pelo Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Lima da Silva, incrivelmente, além de violar princípios básicos do indigenismo fundado por Marechal Rondon, bem como violar princípios Constitucionais, só reproduz e atualiza situações denunciadas pelo famoso Relatório Figueiredo e pelas pesquisas empreendidas pela CNV de etnocídio e genocídio de povos indígenas pelas mãos do Estado.

A declaração de Lima da Silva foi feita no último dia 23 de junho, em uma reunião na aldeia Vida Nova com diversas lideranças das 14 aldeias Marubo do alto curso do rio Ituí, na Terra Indígena Vale do Javari. Treze dias antes, o presidente da Funai, o delegado Marcelo Xavier, tentava intimidar a UNIVAJA denunciando-a ao Ministério Público Federal – MPF por ter uma equipe sua, composta apenas por Marubo, se deslocado para o alto Ituí sem cumprir os protocolos de quarentena epidemiológica estipulados para  a TI Vale do Javari. 

A UNIVAJA e a OAMI alegam letargia e negligência do órgão indigenista e a inabilidade de alguns de seus servidores para lidar com a situação de emergência que se desenrolava nas aldeias Marubo desde outubro/2020. O agravamento se deu para evitar um conflito sério que estava se consolidando após os relatos do sequestro de uma mulher Marubo pelos índios isolados. Segundo a UNIVAJA, todas as motivações para tal ato foram levadas ao MPF e, aproveitando a oportunidade, foi desfilado uma avalanche de fatos e denúncias sobre a farsa das barreiras sanitárias e protocolos de quarentena que a Funai e Sesai alardeiam na tentativa de ludibriar o Supremo Tribunal Federal- STF e a sociedade brasileira.  

Dias depois do regresso da UNIVAJA, o coordenador regional da Funai fez esse mesmo percurso até às aldeias do alto Ituí, passando pela mesma Base de Proteção da Funai que a UNIVAJA usando argumento da entrega de cestas básicas, sem cumprir quarentena e levando um discurso militarista de guerra contra os índios isolados. Porém a “Nova Funai”  parece ser seletiva em suas denúncias e certamente não tratou nem tratará seus asseclas da mesma forma como vem tratando indígenas e indigenistas que tem se colocado contra essa máquina de destruição dos direitos indígenas que é o atual Governo.  

Mas o áudio do tenente Lima da Silva traz outras aberrações que evidenciam o total despreparo dele para estar em tal posição no órgão, mas que não nos surpreende pois é a face mais conhecida desta  “Nova Funai”. Ao bradar que os índios isolados “já pedem cesta básica, já falam português, já tem contato direto com a Frente [Frente de Proteção Etnoambiental]” faz nítida confusão ao confundir esses com os indígenas Korubo de recente contato, os quais são atendidos pela Frente de Proteção da Funai. Após um ano no cargo de coordenador regional do Vale do Javari, fica claro que o militar Lima da Silva ainda não sabe distinguir indígenas isolados dos indígenas Korubo de recente contato.

Noutro trecho do áudio, o tenente Lima da Silva disse levianamente que está se esforçando pela regulamentação do porte de armas para os servidores da Funai. Gostaríamos que ele apresentasse mais empenho e provas além das palavras jogadas ao ar, como um processo que ele esteja instruindo para esse fim (porte de arma dos servidores). O que sabemos é que o tenente Lima da Silva, nos últimos dia de junho/21, afrontando determinação superior, recolhe pessoalmente as armas de fogo institucionais na Base de Proteção no rio Curuçá, deixando a equipe que lá atua vulnerável. Tais armamentos, além de  imprescindíveis para a segurança da própria equipe, proporcionam alimentação para os colaboradores indígenas que ali atuam e que tem na caça a fonte principal de sua alimentação tradicional. 

Por fim e como era de se esperar de um militar bolsonarista, ele traz a baila acusações sobre “questões ideológicas” para atacar a atuação da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Sabemos bem o porquê, a APIB tem acompanhado cuidadosamente a atuação do governo federal junto aos povos indígenas isolados, por meio da ADPF 709 no STF. Este acompanhamento é realizado através de intensa comunicação com suas bases, especialmente na Amazônia com a rede de organizações e lideranças indígenas regionais e locais coordenadas pela COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira.

Diante  disso e sabendo que o tenente Lima e Silva representa fielmente os interesses da Direção dessa “Nova Funai”, a qual não duvidamos que já conhecesse o teor deste áudio e nada fez, solicitamos que os órgãos competentes do Estado requeiram judicialmente a imediata exoneração e a responsabilização criminal do atual coordenador regional da Funai e determinem a execução de ações não paliativas para a proteção dos Marubo, dos demais povos contatados e dos índios isolados do Vale do Javari. À sociedade brasileira, em especial à sua parcela civil e organizada e aos indígenas e indigenistas, clamamos que continuem firmes no propósito de proteger os direitos dos povos indígenas do país contra o ataque frontal desse atual Governo genocida. 

Brasil, 23 de julho de 2021

Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi)

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