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Quando os isolados somos nós

Published by Opi

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Carolina Ribeiro Santana[1]

A ausência de planos de contingência como fator de aumento da vulnerabilidade dos povos indígenas isolados e de recente contato frente à pandemia do COVID-19[2].

Não é de hoje que nossa existência é uma ameaça virulenta à vida dos indígenas. Os anciãos de todos os povos, mesmo daqueles que já possuem histórias de contato com a nossa sociedade, narram episódios a respeito das inúmeras doenças letais levadas pelos colonizadores ao seio de seu convívio. O potencial de destruição que agora experimentamos com o novo Coronavírus (medo, ansiedade, pessoas doentes, isolamento, mortes, atividades produtivas abaladas, famílias separadas, etc.) sempre foi uma realidade para os povos indígenas. Realidade provocada por nós. A história de nossa chegada às suas aldeias, em um passado recente, foi, via de regra, responsável por deflagrar processos epidêmicos com elevada mortalidade, levando ao extermínio de inúmeras etnias no Brasil[3]. Os sobreviventes estão aí para testemunhar nossa letalidade que, diga-se, não é apenas viral.

Embora a pandemia do COVID-19 esteja ameaçando a todos, alguns são mais vulneráveis que outros, exigindo medidas urgentes de enfrentamento do problema. A sociedade muito tem alertado sobre a necessidade de mitigar os impactos entre os idosos, pessoas enfermas, populações de rua. Todavia, entre os vulneráveis também estão os povos indígenas, por diversas razões, desde o modo de vida comunitário ao precário acesso ao sistema de saúde – que favorecem a propagação do vírus. E entre os indígenas, ainda mais vulneráveis estão os considerados de recente contato e os que vivem em situação de isolamento[4], pela vulnerabilidade socioepidemiológica a que estão submetidos frente às doenças com as quais já estamos relativamente imunizados. Causa-nos espanto que, no Brasil, os indígenas não estejam sendo incluídos oficialmente nos grupos de risco da pandemia de COVID-19.

Para quem aposta na já existente prática de isolamento deles como fator de proteção, acreditando que não haveria, portanto, motivos para se preocupar, informamos, a título de exemplo, que na Terra Indígena Yanomami, onde vivem os isolados Moxihatëtëa, mais de vinte mil garimpeiros transitam diariamente das cidades ao redor para os inúmeros garimpos ilegais no interior do território indígena. Por garimpos ilegais leia-se: local onde não há qualquer intervenção do Estado, seja para coibir, seja para orientar. Lá não entra polícia, ambulância, medicamento, educação. Esse cenário se repete, em maior ou menor grau, em diversos locais do país habitados por indígenas isolados e de recente contato. Todos, mesmo antes da pandemia, já se encontravam ameaçados, seja pela presença de missionários proselitistas, narcotraficantes, fazendeiros e madeireiros. Basta ver as situações no Vale do Rio Javari/AM, no Rio Envira/AC, na região do Massaco/RO, na Terra Indígena Araribóia/MA, na Terra Indígena Ituna Itatá/PA, entre outros casos. Nestes contextos, a quebra do isolamento pode ser considerada relativamente iminente, inclusive em virtude do compartilhamento das terras com outros povos indígenas, o que requer uma atenção redobrada em tempos de pandemia. Como nos lembra o médico sanitarista Douglas Rodrigues:

As informações existentes, embora precárias, indicam que a quebra do isolamento levou a reduções populacionais maciças na grande maioria dos grupos contatados. Enquanto alguns logram atingir um determinado grau de acomodação que lhes permite sobreviver, outros continuam diminuindo até o desaparecimento. (RODRIGUES, 2013, p. 15).

A triste novidade, porém, é que com a deflagração da pandemia de COVID-19 a vulnerabilidade socioepidemiológica dos indígenas se potencializa, tanto pela existência de um novo vírus – para o qual nem mesmo nós possuímos imunidade, mas também, e especialmente, pela ausência de programação governamental para combatê-lo entre os indígenas.

Em situações ordinárias, ou seja, sem a pandemia, o contato entre Povos Indígenas Isolados com não indígenas ou com indígenas em contato permanente já seria motivo suficiente para ensejar um protocolo rígido, com vistas a evitar a disseminação de doenças para as quais eles não possuem memória imunológica. Disponibilizar serviços de saúde pública diferenciados, com eficiência e eficácia, desde o início do processo de contato é imprescindível para a manutenção e/ou recuperação populacional do grupo. A literatura relata adoecimento em 100% dos casos de contato[5], exceto nos casos em que os protocolos de respeito a quarentena foram seguidos, conforme relatou o médico Lucas I. Albertoni, a respeito do contato feito pelos Korubo em 2019[6]. Albertoni afirma tê-los encontrado fortes e saudáveis, indício de que, a princípio, não há necessidade de realização de um contato para garantir a saúde de grupo isolado; fato que reafirma o acerto da política do não contato e a necessidade de “garantir o isolamento a qualquer custo, inclusive intensificando a retirada dos invasores, que trazem consigo os contaminantes da sociedade nacional “[7].

Sabendo disso, indigenistas especialistas em saúde indígena, têm pensado e aperfeiçoado Planos de Contingência para a prevenção de eventos adversos ou a mitigação dos seus impactos, orientando respostas rápidas e definindo os responsáveis pelas ações a serem adotadas. Tais planos são uma importante ferramenta técnica para a orientação da intervenção sanitária adequada e oportuna, e seguem princípios desenvolvidos e aperfeiçoados ao longo de décadas de política indigenista, como autodeterminação, precaução, e prevenção[8]. O atual discurso governamental, porém, tem expressado seu posicionamento contrário a alguns destes princípios (senão todos).

Recentemente publicados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena – SESAI, tanto o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19) em Povos Indígenas, quanto o Informe n. 4/2020, afirmam que, em relação aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato deve-se considerar o disposto na Portaria Conjunta n. 4.094, de 20 de dezembro de 2018, que define princípios, diretrizes e estratégias para a atenção à saúde dos PIIRC. A Portaria Conjunta n. 4.094, por seu turno, faz referência à Portaria Interministerial n. 171, de 6 de fevereiro de 2013, que prevê a instituição de um Grupo de Trabalho com a finalidade de elaborar diretrizes e estratégias de ação em saúde para Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, bem como um Plano de Contingência da Saúde para Situações de Contato com Povos Isolados e Surtos e Epidemias em Grupos de Recente Contato[9]. O referido grupo funcionou apenas pelo prazo de duração previsto na Portaria Interministerial, cento e oitenta dias e, até onde se sabe, nunca mais foi reconstituído[10]. Logo, em última instância, as orientações da Secretaria Especial de Saúde Indígena, no que tange à proteção dos Povos Isolados e de Recente Contato, faz referência a um grupo de trabalho que não se encontra em funcionamento.

A Portaria Conjunta referenciada nos documentos acima citados, a n. 4.094,  afirma que o “Plano de Contingência para Surtos e Epidemias será elaborado com a máxima urgência”, bem como dispõe que deve haver prontidão na mobilização das equipes de referências locais da FUNAI e SESAI/MS e nos recursos necessários à execução das medidas previstas nos Planos de Contingência (BRASIL, 2018, art. 9 e 10). Observe-se que a urgência já existiria caso se tratasse de um surto ou uma epidemia causada por um organismo já velho conhecido de nossos anticorpos não-indígenas. O que dizer no presente momento, quando estamos apenas começando a ter noção de como o COVID-19 se comporta em nossos corpos? A Portaria ainda dispõe que o Plano de Contingência para Situações de Contato deverá acionado tão logo a SESAI seja comunicada pela FUNAI a respeito da iminência de contato ou imediatamente na ocorrência deste. Para ser acionado, entretanto, o Plano de Contingência precisa existir. Infelizmente, só existem dois planos de contingência, o do Vale do Javari e o do Médio Jatapu. É verdade que estes planos não se referem a situações de pandemia, mas não há dúvidas de que sua existência torna muito mais ágil a elaboração de um plano voltado ao novo contexto. As demais localidades terão que partir do zero.

Informações que circulam no meio indigenista, inclusive entre servidores da SESAI e FUNAI, dão conta de que as providências para a elaboração dos Protocolos de Contingência para os casos de contato não são retomadas em articulação conjunta desde fevereiro de 2019, o que demonstra um aumento exponencial de exposição dos indígenas às vulnerabilidades já existentes, agravadas agora pelo novo Coronavírus.

Sabe-se que, recentemente, a SESAI solicitou de seus Distritos Sanitários Especiais indígenas (DSEI)[11] a elaboração de  planos de contingência para Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato no contexto do COVID-19. Os planos estão sendo construídos muito lentamente e sem a necessária interlocução com FUNAI, exigida pela Portaria Conjunta n. 4.094.  Assim, embora haja uma incipiente providência, a legislação existente elaborada por especialistas não está sendo observada.

Servidores do Ministério da Saúde se preocupam com a operacionalidade dos planos, pois vai depender da gestão de cada DSEI. Não há Equipamentos de Segurança Individual, em grandes centros, por exemplo, porque não há disponibilidade no mercado. Outro exemplo sobre a operacionalidade é em relação aos leitos de UTI, não haverá como solicitar um leito isolado diante do colapso do sistema de saúde.

O fato de não haver ação coordenada entre SESAI e FUNAI na elaboração dos  Planos também preocupa. Em 2015 um documento orientador foi elaborado nesse sentido. O Departamento de Atenção à Saúde Indígena do Ministério da Saúde (DASI/MS), por meio da Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS), contratou a consultoria do indigenista Antenor Vaz, o qual  produziu o Documento técnico contendo organização de material orientador sobre diretrizes e estratégias de atenção à saúde dos povos indígenas isolados e de recente contato. Neste, Antenor afirma, categoricamente, que, para as situações de contato a SESAI, a partir do Plano de Contingência de Saúde para os Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato e /ou  em Situações de Surtos ou Epidemias, “trabalhará em cooperação com a FUNAI, respeitando o Plano de Contingência Sócio-Antropológico apresentado por este  órgão indigenista oficial”[12]. Isso não exclui, obviamente, a articulação com outros importantes atores, especialmente ao que tange o quesito logística, como as Forças Armadas em regiões de fronteira, por exemplo.

Mas, afinal de contas, o que tanto há de necessário durante uma situação de contato capaz de exigir cuidados tão específicos? Lucas Infantozzi Albertoni, médico especialista em saúde indígena que já participou de três processos de contato com Povos Isolados, resume em uma única frase: “já vi um resfriado comum se agravar seriamente em pneumonia em apenas três dias, e isso com a equipe de saúde presente”. Se agravar seriamente significa, em bom português, que indígenas saudáveis e jovens morrem de gripe comum se não houver O cuidado necessário. Inúmeros fatores fazem com que os grupos isolados e de recente contato sejam mais suscetíveis a adoecer ou irem a óbito em função, principalmente, de doenças infecciosas corriqueiras como gripes, diarréias e doenças imunopreveníveis. Isso significa dizer que um contato inadvertido pode significar o risco de extinção física do grupos inteiros. 

Todo esse cuidado se refere, como já mencionado anteriormente, a situações de contato ocorridas em circunstâncias ordinárias, ou seja, fora do contexto de uma pandemia, por exemplo. As circunstâncias atuais, no entanto, exigiriam atuação infinitamente mais cuidadosa.  Contudo, recentemente, em razão da enunciação da pandemia, a presidência da FUNAI emitiu portaria[13] retirando importantes atribuições da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) e suspendendo “todas as atividades que impliquem o contato com comunidades indígenas isoladas”. O texto deixou indígenas e indigenistas seriamente preocupados. Considerando que a política indigenista brasileira para isolados preza, desde 1987,  pela não realização do contato, todos passaram a se perguntar quais seriam então as tais atividades, referenciadas na Portaria, que pudessem estar implicando em contato e necessitavam, portanto, serem suspensas. O que preocupa é que o ato administrativo parece evidenciar certa imprudência e imperícia a respeito da delicada situação enfrentada e, também, a respeito da política que rege os protocolos de contato com povos indígenas isolados e a atuação junto aos considerados de recente contato[14].

O que os especialistas esperavam ver nesse momento, era uma atuação coordenada entre a SESAI e a FUNAI para a efetivação da legislação afeta ao tema e para o aperfeiçoamento dos protocolos já existentes, em vez de vê-los ignorados. As situações de contato, surtos e epidemias envolvendo os Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato são consideradas emergência em saúde e requerem medidas imediatas e adequadas para reduzir a morbimortalidade associada à quebra de isolamento ou adoecimento (BRASIL, 2018, art. 4).

 No atual momento, seria de crucial importância gerar informações capazes de definir níveis de alerta para orientar possíveis intervenções na saúde desses povos; definir estratégias de atuação, recursos necessários, fluxos precisos de comunicação entre as instituições envolvidas e incorporar, de maneira coordenada, o planejamento, a operacionalização e o monitoramento dos serviços de saúde e das instituições parceiras envolvidas. Para isso, seria primordial que o Grupo de trabalho, previsto na já mencionada Portaria Interministerial n. 171, fosse reativado e composto por representantes e convidados cuja experiência no trabalho com Povos Isolados e de Recente Contato fosse notoriamente reconhecida por indígenas, indigenistas e comunidade acadêmica especializada no tema.

A imprevisibilidade, que parece estar bastante presente na atual administração da política em comento, deveria ser o primeiro fator excluído dessa equação. Inclusive, também a esse respeito os especialistas já se debruçaram. Embora não seja possível descartar de todo os imprevistos, a experiência demonstra que, por inúmeras razões, é possível prever a iminência de um contato. Por isso, não menos importante é o estabelecimento de ações pré-contato, como o sobreaviso de profissionais de saúde qualificados, a adoção de medidas de saúde com as populações do entorno com o objetivo de criar um Cordão Sanitário capaz de  minimizar o risco de transmissão de doenças infectocontagiosas, realização de período de quarentena pelas equipes ingressantes no território, entre outras.

Para além das questões específicas do atendimento de saúde, os protocolos atestam, ainda, a importância de se mapear os meios de acesso e transporte capazes de serem utilizados em diferentes  cenários, a importância de se conhecer a caracterização da rede de saúde local e regional identificando e pactuando previamente o acolhimento e tratamento diferenciado para indígenas de recente contato ou em situação de quebra de isolamento; a importância de se fazer o levantamento dos fluxos de comunicação e dos insumos e recursos disponíveis na região (especialidades, equipamentos diagnósticos, etc.), a lista de medicamentos, equipamentos e insumos necessários, o levantamento dos principais agentes etiológicos envolvidos nas epidemias entre grupos isolados, as doenças e agravos frequentes[15], os procedimentos de quarentena, vacinação, exames sorológicos, remoção e critérios de avaliação de risco e as principais condutas de segurança a serem adotadas pela equipe em campo.

Por razões que este texto não pretende exaurir, mas que, certamente, relacionam-se com o discurso oficial da atual política indigenista, temos tido notícias de uma intensificação da presença de madeireiros, garimpeiros e missionários proselitistas no interior das terras indígenas. Para além da ilegalidade de tais atividades, importa, neste momento, pontuar a gravidade disso enquanto ameaça para a existência de grupos indígenas. Notícias das últimas semanas, muitas enviadas pelos próprios indígenas, dão conta, especialmente, de empreendimentos missionários sendo efetivados durante a quarentena do COVID-19. A elaboração de um Protocolo de Contingência que possa ser acessado pela FUNAI e SESAI para ações junto aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato é urgente.

A negligência pode vir a ser fatal e resultar na extinção física de grupos inteiros. O que se tentou demonstrar com esse texto é que diretrizes e planos de contingência já foram longamente pensados e debatidos por especialistas. Tempo e dinheiro público foram gastos ao longo de décadas de aperfeiçoamento da política indigenista. Em saindo da inércia, não é recomendado que a administração pública, por discordância política, queira desfazer experiências exitosas[16]. O que se pode, no máximo, é adaptá-las. Mas alterar ou desconsiderar tudo o que foi pensado, debatido e discutido ao longo de mais de trinta anos viola, não apenas os direitos humanos dos povos indígenas, mas, também, o princípio administrativo constitucional da eficiência (BRASIL, 1988, art. 37).

Dia desses, me peguei divagando se o medo, o isolamento voluntário, as mortes em massa e os demais efeitos desta pandemia poderiam (ao produzir, agora em nós, certa perspectiva do terror e do desespero que temos provocado aos indígenas durante séculos) ser capazes de gerar alguma empatia naqueles que desmerecem a causa. Talvez seja apenas um desejo, talvez a escala de utilidade dos corpos fale mais alto, não sei. O médico Lucas I. Albertoni disse-me recentemente: “o que todo mundo está fazendo agora com o Coronavírus, a gente faz nas situações de contato (máscara, álcool gel, lavar as mãos)… ou seja, poderíamos, em casos de surtos e epidemias, extrapolar para a sociedade nacional os protocolos que fazemos há anos com os indígenas”. Ao fim e ao cabo, o que ele afirma é que se mais atenção tivesse sido dada aos Planos de Contingência para Povos Isolados e de Recente Contato tais documentos poderiam, inclusive, ter-nos servido de parâmetro para nossa própria prevenção à disseminação do novo Coronavírus. É verdade, agora os isolados também somos nós.

Referências Bibliográficas

AMORIM, Fabrício. Nos tapiris Korubo: uma perspectiva indigenista das tensões e distensões Korubo (e Matis). In. Povos Indígenas Isolados no Brasil. Disponível em: <https://povosisolados.wordpress.com/2017/06/18/nos-tapiriskorubo-uma-perspectiva-indigenista-das-tensoes-e-distensoes-korubo-e-matis/>.  Acesso em: 31 de abril de 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26 de mar. 2020.

BRASIL. Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19) em Povos Indígenas. 2020.  Disponível em: <https://drive.google.com/drive/folders/1NypkAgVkBQU5ztQ4yWVgh1bgxdiBlBhh> . Acesso em: 26 de mar. 2020.

BRASIL. Plano de Contingência para Situações de Contato Vale do Javari. 2019.

BRASIL. Plano de Contingência para Situações de Contato entre Grupos Indígenas Isolados com não índios ou com indígenas em contato Permanente. Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema. Registro n. 77/CGIIRC/FUNAI (médio Jatapu). 2014.

BRASIL. Portaria Conjunta n. 4.094, de 20 de dezembro de 2018. Disponível em: <Portaria Conjunta n. 4.094, de 20 de dezembro de 2018>. Acesso em: 26 de mar. 2020.

BRASIL. Portaria Interministerial nº 171, de 6 de fevereiro de 2013. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/pri0171_06_02_2013.html>. Acesso em: 26 de mar. 2020.

PEREIRA, Bruno da Cunha Araújo. Conflitos e contatos no Vale no Javari, Relato de uma experiência de campo. In: História e Antropologia: conexões do tempo presente. São Leopoldo: Casa Leiria, 2018.

REIS, Roberta; ALBERTONI, Lucas. Questões epidemiológicas e desafios no atendimento aos chamados povos isolados. Uma experiência de contato com os Korubo. Disponível em: https://periodicos.ufpa.br/index.php/amazonica/ article/view/5676/4714. Acesso em 30 de março de 2020.

RODRIGUES, Douglas A. Proteção e Assistência à Saúde dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato no Brasil. OTCA: São Paulo, 2014. 130 pp. Disponível em: <https://boletimisolados.trabalhoindigenista.org.br/wp-content/uploads/sites/3/2017/08/Saude_PIIRC_-Douglas-Rodrigues.pdf>.

VAZ, Antenor. Atenção à Saúde dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato. Documento técnico contendo organização de material orientador sobre diretrizes e estratégias de atenção à saúde dos povos indígenas isolados e de recente contato. OPAS/OMS, 2015.


[1] Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da UnB, indigenista e advogada. O texto reflete a opinião da autora, exclusivamente, enquanto pesquisadora em busca do melhor uso da coisa pública e para a realização do bem comum.

[2] Agradeço a leitura cuidadosa e as contribuições dos amigos Antenor Vaz, Beatriz de Almeida Matos, Bruno Pereira, Fábio A. N. Ribeiro, Fabrício Amorim, Roberta Cerri e Lucas I. Albertoni. A este último, agradeço, ainda, à disposição em conceder-me uma entrevista em meio ao seu trabalho de combate à pandemia de COVID-19, na cidade de São Paulo, considerada o epicentro do contágio no Brasil. Este texto foi escrito durante a quarentena e Lucas é um dos tantos profissionais de saúde que está na linha de frente desse combate.

[3] Nessa troca de patógenos, os indígenas foram os grandes perdedores uma vez que, a não ser por certas micoses como o Tokelau, de pequena gravidade e pouco potencial de expansão, e da treponematose conhecida como Pinta ou Bouba, não são conhecidas doenças que foram transmitidas aos colonizadores pelos povos originários do Brasil. (RODRIGUES, 2013, p. 11).

[4] A definição oficial do estado Brasileiro afirma que Povos Indígenas Isolados são povos ou segmentos de povos indígenas que, sob a perspectiva do Estado brasileiro, não mantém contatos intensos e/ou constantes com a população majoritária, evitando contatos com pessoas exógenas a seu coletivo, e Povos Indígenas de Recente Contato são povos ou agrupamentos indígenas que mantêm relações de contato ocasional, intermitente ou permanente com segmentos da sociedade nacional, com reduzido conhecimento dos códigos ou incorporação dos usos e costumes da sociedade envolvente, e que conservam significativa autonomia sociocultural. (BRASIL, 2018). Para além da definição oficial do Estado Brasileiro, fazemos referência também às definições adotadas pelos indigenistas Bruno Pereira (PEREIRA, 2018) e Fabrício Amorim (AMORIM, 2017), para quem a condição de isolamento se refere a uma situação sociopolítica em que determinado coletivo indígena se encontra, definida por uma estratégia de relação com o “entorno”; e “processo” ou “situação de contato”, referem-se ao “início de relações (não bélicas) de troca e comunicação contínua de um grupo indígena com os agentes do Estado”.

[5] Se analisarmos a mortalidade que se seguiu ao contato em alguns grupos indígenas no Brasil, veremos que há casos em que a depopulação chegou a 93%, como entre os Munduruku, por exemplo. (RODRIGUES, 2013, p. 13).

[6] Para mais informações a respeito de contatos ocorridos com o povo Korubo, ver PEREIRA (2018) e AMORIM (2017).

[7] Entrevista concedida à autora em 16 de março de 2020.

[8] Para informações mais específicas de uma experiência de contato e os protocolos de saúde e intervenção sanitária veja-se o relato de REIS & ALBERTONI: “(…) utilização de máscaras e luvas o máximo possível, o manejo higiênicos com alimentos e dejetos no acampamento da equipe de contato, a criação de um local específico para quarentenados novos ingressos no acampamento de contato, a priorização da não troca constantes nas equipes para evitar a circulação de doenças vindas, sobretudo da cidade, e o estranhamento dos korubos, o fornecimento de alimentação tradicional aos recém contatados, a realização de análise clínicas e exames de malária periódicos, a priorização dos atendimentos de saúde às demais atividades numa situação de contato, a participação de mulheres na equipe, a disponibilização de sabão para lavagem das mãos em pontos estratégicos do acampamento da equipe e da embarcação que fazia o translado das equipes, a mudança do primeiro acampamento Korubo para jusante do acampamento da equipe de contato para o não contato desses com águas e possíveis resíduos de combustíveis e sabão de nosso grupo”. (REIS & ALBERTONI, 2018 Apud, PEREIRA, 2018)

[9] Art. 2º O Grupo de Trabalho será composto por representantes, titular e suplentes, dos seguintes órgãos e entidades: I – pelo Ministério da Saúde: a) três representantes da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI/MS); e b) três representantes dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI/SESAI/MS); II – pelo Ministério da Justiça: a) três representantes da Fundação Nacional do Índio (FUNAI); e b) três representantes das Coordenações das Frentes de Proteção Etnoambiental (FPE/FUNAI); e III – três representantes do Fórum de Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena, a serem escolhidos entre os DSEI/SESAI/MS com referência de povos isolados e recente contato. § 1º O Grupo de Trabalho será coordenado pela SESAI/ MS. § 2º Os representantes serão indicados pelos respectivos dirigentes máximos à Coordenação do Grupo de Trabalho no prazo de quinze dias contado da data de publicação desta Portaria. § 3º O Grupo de Trabalho poderá convidar representantes de outros órgãos e entidades, públicas e privadas, bem como especialistas em assuntos ligados ao tema, cuja presença seja considerada necessária ao cumprimento do disposto nesta Portaria. Art. 3º O Grupo de Trabalho submeterá relatórios parciais de suas atividades à SESAI/MS e à FUNAI a cada noventa dias.

[10] De acordo com o indigenista Antenor Vaz (2015, pp. 12) em março de 2013 realizou-se reunião prévia à instalação do Grupo de Trabalho Interministerial, da qual participaram representantes da SESAI, da FUNAI , da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Afirma, ainda, que a reunião efetiva de instalação do Grupo teria ocorrido durante os dias 11 e 12 de julho de 2013, com a participação da FUNAI, SESAI e UNIFESP (VAZ, 2015, p. 12). Um dos principais resultados do Grupo foi, exatamente, a Portaria Conjunta n. 4.094 (Ver Memorando Nº 17/2014-CGAPSI / DASI / SESAI MS de 29/01/2014). Até onde se sabe, não há mais notícias de que algo parecido esteja em atividade.

[11] O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASISUS) está organizado em 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) localizados em todas as regiões do território brasileiro, com responsabilidade sanitária na Atenção Primária por um território específico, que diz respeito aos territórios indígenas. Cabe à Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) coordenar o SASISUS e planejar, coordenar, supervisionar, monitorar e avaliar a implementação da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), observados os princípios e as diretrizes do SUS.

[12] Vaz explica que “Um ‘Plano de Contingência Sócio-Antropológico’ é um instrumento dinâmico, elaborado a partir dos princípios e diretrizes estabelecidos pela ‘Política de Proteção para os PIIRC’ com o intuito de prevenir, minimizar e/ou mitigar os fatores que afetam o bem estar, a saúde e a autodeterminação dos PIIRC. Numa concepção mais ampla, um Plano de Contingências Sócio-Antropológico, deve estabelecer as normas frente a possibilidade de ‘avistamentos’, contatos não desejados, surtos epidêmicos, ou mesmo outras situações envolvendo os PIIRC. Para cada situação (etnia, região, etc.) deve-se elaborar planos de contingência específicos, os quais devem ser periodicamente atualizados / avaliados, tendo em vista a sua implementação em conjunto com o ‘Plano de Contingência de Saúde'”.

[13] Portaria n. 419, de 13 de março de 2020. Após recomendação do Conselho Nacional de Direitos Humanos e pedidos de informações de outros órgãos e parlamentares a FUNAI restituiu à CGIIRC suas atribuições primordiais (Portaria n. 432 de 20 março de 2020), mas manteve a suspensão das tais atividades que implicam em contato.

[14] Não se pode acusar a preocupação de alarmista ou sem fundamento, visto que, além de o ato contrariar o histórico de sucesso da política indigenista, a recente nomeação de um profissional com histórico de relações com missionários para coordenar o setor de índios isolados e de recente contato da FUNAI já havia deixado a comunidade indígena e indigenista em alerta. Esta Coordenação sempre foi responsável por controlar as insistentes solicitações de ingresso de missionários proselitistas em terras indígenas com presença de Povos Isolados e de Recente Contato, razão pela qual um eventual conflito de interesses poderia resultar em consequências desastrosas.

[15] Doenças de pele, infecções respiratórias agudas não complicadas (vias respiratórias superiores), conjuntivites, otites, doenças diarréicas e parasitárias, feridas ou traumatismos.

[16] A inércia não se refere aos técnicos que compõem as equipes da FUNAI e da SESAI que, por terem ajudado a elaborar estas normativas da política indigenista, também estão estarrecidos com o que ora se observa.

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