MPF já recomendou suspensão do projeto apontando ameaça a grupos isolados. Em decisão do último dia 10, o STF deu prazo de 5 dias para manifestação do estado do PA
A Tekohara, organização do povo Zo’é, se manifestou por meio de carta contra o projeto de concessão da Floresta do Paru para exploração madeireira. Escrita em língua Zo’é e traduzida para o português por parceiros, a carta reclama da falta de consulta sobre a concessão florestal e fala do temor pela retirada de árvores em áreas vizinhas às que são utilizadas para o sustento do povo.
“Nosso pensamento é que vai ser muitíssimo ruim se os brancos abrirem estrada no entorno do nosso território. O Ideflor-Bio não nos consultou … não sabíamos e não gostamos nada disso. O Ideflor-Bio simplesmente pretende liberar os madeireiros e isso não é nada bom”, dizem as lideranças na carta.
“Se os madeireiros vierem tirar árvores tão próximo ao nosso território, eles descerão escondido para pescar no rio Kare (afluente do Cuminapanema), assim como no Cuminapanema e nós não queremos isso de jeito nenhum. A gente reserva a terra que fica depois da margem de lá do Cuminapanema como área de poupança de caça, por isso, se os brancos vierem vão espantar a caça definitivamente”, temem os Zo’é, que no final do texto recusam a presença dos forasteiros: “os madeireiros não vão tirar madeira no nosso território!”
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) enviou manifestação sobre o tema ao Supremo Tribunal Federal, dentro dos autos da Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 991, que trata da proteção dos povos indígenas isolados. O ministro Edson Fachin, relator do processo, notificou o governo do Pará no último dia 10 de novembro, dando prazo de cinco dias para que se manifeste sobre a situação do povo Zo’é e dos grupos isolados da região diante da ameaça da concessão florestal.
O pré-edital do governo do Pará, lançado pelo Instituto do Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (Ideflor-Bio) pretende liberar para exploração duas áreas da Floresta Estadual do Paru, ao lado da terra indígena onde vivem os Zo’é, um grupo de recente contato e onde incidem também registros oficiais de povos indígenas isolados, de acordo com o banco de dados da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (CGIIRC/FUNAI).
Embora o Estado do Pará se negue a reconhecer a presença de grupos isolados na região das bacias dos rios Cuminapanema, Curuá e Maicuru, é fato que diversos registros históricos e fontes orais (Zo’e e Apalai) atestam a continuidade da ocupação indígena na região. Além disso, cabe mencionar que até o presente momento não foram apresentadas quaisquer provas sobre a inexistência de povos indígenas isolados nas referidas bacias hidrográficas.
Uma das áreas, batizada pelo governo de Unidade de Manejo Florestal (UMF) 6a, com aproximadamente 124 mil hectares, seria aberta para exploração pelo período de 30 anos e fica próxima ao território Zo’é, a apenas 20km à leste da área. Os Zo’é são um povo de recente contato que recebe proteção especial do governo brasileiro de acordo com a Constituição.
Dentro da Flota, que pelo projeto do Governo do Pará poderá ser aberta à exploração, existe ainda um registro de povo indígena isolado que está em fase de estudos pela Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Cuminapanema, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Mesmo assim, em nenhum momento o governo paraense acionou a autarquia indigenista ou buscou informações sobre os riscos aos indígenas.
Recomendação
Em outubro, o Ministério Público Federal (MPF) enviou recomendação ao governo do Pará, à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e ao Ideflor-Bio para que suspendesse, imediatamente, o processo licitatório para a concessão das unidades de manejo florestal na Flota do Paru. Para o MPF, ao prosseguir com a licitação florestal o governo viola tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, por desrespeitar o direito de consulta prévia, livre e informada e por não considerar os registros antigos e recentes de grupos que vivem em isolamento na área.
Os procuradores da República Daniel Luis Dalberto, titular do Ofício Socioambiental de Indígenas Isolados e de Recente Contato, e Paulo de Tarso Moreira Oliveira, titular do 4º Ofício do MPF em Santarém apontaram na recomendação que a forma isolada de viver é atitude de autodeterminação que deve ser considerada suficiente para fins de consulta, nos termos das normas internacionais de direitos humanos.
A recomendação do MPF foi enviada em 19 de outubro e até agora não tem resposta do governo paraense. Em reunião no dia 9 de novembro, ao mesmo tempo em que representantes da Procuradoria do Estado reiteraram o interesse do Pará no projeto, representantes do Ideflor-Bio pediram mais prazo para resposta aos procuradores da República. Para o Opi, que acompanha a situação, é fundamental que o governo paraense considere a presença do registro de grupo de indígenas isolados na região e o risco que correm caso as florestas sejam abertas para exploração madeireira.
Desde agosto, organizações indígenas e da sociedade civil protestam contra a exploração da região, apontando os graves riscos para os indígenas e para o meio ambiente. A carta do povo Zo’é se soma às manifestações da União dos Povos do Wayamu, da Associação Indígena Kaxuyana, Tunayana e Kahyana (Aikatuk), Associação dos Povos Indígenas do Mapuera (Apim), Associação dos Povos Indígenas Trombetas Mapuera (Apitma), Associação de Mulheres Indígenas da Região do Município de Oriximiná (Amirmo), a Associação dos Povos Indígenas Wai-Wai (Apiw), Conselho Geral do Povo Hexkaryana (CGPH), Associação Aymara, Associação Mista Agrícola Extrativista dos Moradores da Comunidade Jamaracaru (Acaje), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi).
Para todas essas organizações e povos, a liberação da exploração madeireira contradiz o discurso de proteção ambiental feito pelo governo paraense e mostram que a orientação geral da política econômica do estado segue pautada por um modelo retrógrado de destruição e não de conservação ambiental, de financeirização e de abertura de territórios para o grande capital desconsiderando a existência de povos indígenas e comunidades tradicionais e colocando em risco grupos de recente contato e isolados na região do Paru e Cuminapanema, área com florestas preservadas e manejadas pela milenar ocupação humana.