Dados foram apresentados pela Coiab e pelo Opi durante a conferência da biodiversidade em Cali
Ao longo de 25 anos de produção de dados sobre fogo no território brasileiro, 2024 foi o ano com o maior número de focos de calor em Terras Indígenas e Unidades de Conservação onde há presença de grupos indígenas isolados. De janeiro a setembro, foram 10.037 focos nesses territórios, o que representa 12,35% de todas as queimadas da série histórica. Os dados foram apresentados durante a COP 16 em Cali (Colômbia) pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi).
O material apresentado durante o dia dedicado aos povos isolados e de recente contato na programação da COP 16 é uma nota técnica que apresenta informações da plataforma Mapi (Monitoramento de Ameaças a Povos Indígenas Isolados), produto da cooperação entre Coiab e Opi, com apoio da Opan (Operação Amazônia Nativa) e com lançamento previsto ainda para 2024. Também foram considerados dados produzidos pela Gerência de Monitoramento Territorial Indígena da Coiab sobre a estiagem severa no bioma amazônico.
Para as organizações, o avanço descontrolado do fogo atingiu todo o continente sul-americano, com especial intensidade no Brasil, na Bolívia e no Paraguai. Nestes países estão localizados os biomas Amazônia e Gran Chaco onde vivem a maioria dos povos em isolamento do mundo. O fogo está relacionado à expansão da agroindústria, da exploração madeireira e da mineração, atividades que envolvem também a grilagem de terras. E foi agravado pelas condições climáticas extremas.
O cenário, diz a nota técnica, “tem consequências gravíssimas para a sustentabilidade dos sistemas socioecológicos”, sendo o fogo um fator importante de ameaça à sociobiodiversidade, tema principal da COP 16, Conferência das Nações Unidas que trata da biodiversidade biológica, da qual povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais são os maiores protetores. O evento ocorre em Cali, na Colômbia, entre 21 de outubro e 1 de novembro.
Entre os territórios com presença confirmada de povos isolados, os mais atingidos ao longo de todo o período entre 1999 e 2024 (nos meses de janeiro a setembro) foram as TIs Araribóia (MA), Massaco (RO), Piripkura (MT), Tanaru (RO) e Uru-Eu-Wau-Wau (RO). No território Araribóia, em área de transição entre Cerrado e Amazônia, se encontrou a maior densidade de fogo (indicador que relaciona o número de focos com a extensão do território observado).
Na TI Piripkura, onde o povo que ali vive foi massacrado há cerca de 40 anos, restando três sobreviventes, o fogo provavelmente está sendo iniciado por invasores e o território é protegido apenas por uma restrição de uso, sem avanços no processo de demarcação. Na TI Massaco, a primeira do país demarcada exclusivamente para proteger grupos indígenas em isolamento, a densidade de queimadas também preocupa, porque as condições climáticas extremas podem estar prejudicando o manejo tradicional do fogo como técnica agrícola pelos indígenas.
A combinação da estiagem mais severa em 40 anos e a degradação florestal provocada por invasores pode estar dificultando o manejo tradicional do fogo em todos os casos. De acordo com o estudo “Amazônia à beira do colapso”, lançado recentemente pela Coiab, pelo menos 42 territórios indígenas amazônicos foram assolados pela seca extrema em 2024.
“Associado e potencializado por essas condições de secas extremas, o avanço descontrolado das queimadas sobre as Terras Indígenas destruiu áreas de caça, coleta e cultivo essenciais para a sobrevivência física e cultural de diversos povos indígenas, ameaçando seus locais de moradia e, especialmente, sua saúde e segurança alimentar. A devastação relacionada às queimadas descontroladas configura uma ameaça ainda mais grave para os povos indígenas isolados, que dependem exclusivamente dos ecossistemas em que vivem para manter seus modos de vida. Além de comprometer seus territórios, o aumento das queimadas pode provocar deslocamentos forçados, expondo esses grupos a contatos indesejados, conflitos e epidemias”, diz a nota técnica apresentada em Cali.
O documento também se debruçou sobre territórios onde o Estado brasileiro considera haver apenas informação da presença de grupos indígenas isolados, mas não foi capaz ainda de confirmar sua existência. Para a Coiab e o Opi, a falta de avanço na qualificação de informações sobre tais grupos contribui para a vulnerabilidade de seus territórios. As Terras Indígenas Cana Brava/Guajajara (MA), Inãwébohona (TO), Krikati (MA) e a Floresta Nacional do Bom Futuro (RO) estão no topo do ranking dos focos de calor e são todas áreas em que a presença de isolados ainda carece de confirmação.
O documento enumera cinco recomendações para evitar, em 2025, que o fogo volte a ameaçar os territórios com presença de povos isolados. Veja quais são:
1. Incentivo aos brigadistas locais e uso de tecnologias mais efetivas no combate e no monitoramento das situações de incêndio;
2. Implementação de estratégias de fiscalização rigorosas para evitar invasões e retirar invasores, essencial para preservar a vida dos povos indígenas isolados e seus territórios, por meio do acompanhamento e da cobrança pela concretização de políticas públicas eficazes, como vem sendo determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 709 e 991;
3. A demarcação mais célere de territórios que permanecem por longos períodos protegidos apenas pelo instrumento da Restrição de Uso;
4. A continuidade e qualificação dos estudos daqueles registros que aguardam indefinidamente sua confirmação;
5. O apoio contínuo a organizações indígenas, governamentais e não-governamentais cruciais para o enfrentamento desses desafios e para a garantia de proteção das comunidades em isolamento e suas terras ancestrais.
Leia a nota técnica na íntegra