Em interrogatório na Justiça Federal de Tabatinga réus do caso se recusaram a responder perguntas da acusação e sustentaram tese fantasiosa sobre os crimes
Os três acusados pelos homicídios do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips foram interrogados na última segunda-feira (8), perante a Justiça Federal de Tabatinga, Amazonas. Dois deles, Amarildo da Costa Oliveira e Jefferson da Silva Lima reafirmaram a autoria dos homicídios, enquanto o terceiro acusado, Oseney da Costa de Oliveira, alegou sua inocência e não participação no crime bárbaro ocorrido no Vale do Javari.
Os interrogatórios foram marcados pela promoção, por parte da defesa e dos réus, de uma fantasiosa versão dos fatos que não encontra respaldo em absolutamente nenhuma das provas produzidas até o momento. De acordo com os réus, os disparos que proferiram teriam ocorrido em legítima defesa, imputando a Bruno e Dom a autoria dos primeiros disparos.
Ainda, em vergonhoso momento, tentaram atribuir a Bruno Pereira uma personalidade agressiva, violenta e negligente com os interesses dos povos indígenas. Alegaram terem conhecimento de múltiplos incidentes de violência praticadas por Bruno e pela equipe da Univaja, embora não tenham trazido absolutamente nenhum registro comprobatório destes fatos.
É importante frisar que todo réu tem constitucionalmente assegurado o direito a não produzir prova contrária a si e que possa acarretar em responsabilização criminal, o que permite, portanto, que os acusados tenham pleno direito de narrar suas versões sobre os fatos sem qualquer respaldo na realidade, isentos de prestar compromisso legal de falar a verdade sobre os fatos de que tem conhecimento.
Durante o interrogatório, Amarildo e Jefferson foram inicialmente instruídos pelos seus advogados a responderem somente às perguntas elaboradas pela defesa e pelo juiz, mas acabaram respondendo a algumas perguntas do Ministério Público Federal (MPF) e dos assistentes de acusação e mentiram que teriam reagido a tiros disparados por Bruno Pereira. Como réus, eles não assinam o termo de compromisso de falar apenas a verdade, seguindo a premissa de que não podem ser obrigados a produzir provas contra si mesmos.
A tese de legítima defesa não tem fundamentação nenhuma na realidade. Ao alegarem que se defenderam de disparos, os assassinos confessos agora tentam esconder o fato, comprovado pela perícia, de que Bruno Pereira levou o primeiro tiro pelas costas. Pretendem fazer esquecer que fizeram uma emboscada contra suas vítimas. Ao afirmarem que apenas passaram pelo barco de Bruno e Dom, tentam apagar os relatos de várias testemunhas que viram a perseguição que fizeram contra o indigenista e o jornalista pelas águas do rio Javari, em uma embarcação bem mais veloz que a deles. Tentam falsear a verdade incontestável de que eles próprios apontaram à polícia o local onde esconderam os corpos e participaram da reconstituição detalhada dos crimes.
Diante de acusações fundamentadas em provas e testemunhos robustos, os dois réus sequer negam a autoria dos crimes, sendo portanto assassinos confessos, mas apelam para a versão de legítima defesa baseada apenas em informantes, testemunhos dados por seus próprios parentes, que também não foram obrigados a assinar o compromisso de falar a verdade diante da Justiça, uma vez que têm laços de sangue com os acusados. Durante os interrogatórios os réus afirmaram manter uma suposta boa relação com os indígenas isolados, uma afirmativa que beira o surreal, já que esses indígenas rejeitam contatos com pessoas estranhas aos seus grupos.
As famílias e amigos de Bruno e Dom, assim como o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi) repudiam a tentativa de manchar a memória deles como estratégia de defesa. Esse tipo de estratégia não é nova em julgamentos de crimes contra defensores de direitos humanos. Outras vítimas de crimes brutais na Amazônia, como Dorothy Stang e Chico Mendes, foram alvo de verdadeiras campanhas difamatórias iniciadas dessa mesma forma, como meras estratégias de defesa.
Para evitar que isto se repita no caso de Bruno Pereira e Dom Phillips, é necessário muito cuidado sobretudo dos profissionais da imprensa, que devem contextualizar e contrapor as versões fantasiosas e mentirosas dos acusados com a verdade dos fatos, com as provas científicas e com os dados concretos da realidade.