Sucessivos adiamentos das audiências envergonham a sociedade brasileira e mostram que um dos processos criminais mais importantes do país não é tratado com a prioridade que merece
As audiências de instrução do processo contra três acusados pelos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, que deveriam ter sido concluídas ontem (22), em Tabatinga, tiveram a conclusão adiada porque não havia conexão de internet estável nos presídios federais de Catanduvas, no Paraná e Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Os réus do processo, Amarildo da Costa de Oliveira, Oseney da Costa de Oliveira e Jefferson da Silva Lima, presos por determinação judicial, deveriam ser interrogados após a oitiva das testemunhas, mas isso não aconteceu. A Justiça Federal do Amazonas informou as partes que nova audiência – ou tentativa de audiência – será realizada amanhã (24) para oitiva das testemunhas de acusação. As oitivas das testemunhas de defesa e os interrogatórios dos três acusados ainda não têm data para ocorrer.
A previsão Vara Única de Tabatinga, onde o processo tramita, era fazer a oitiva das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa e depois o interrogatório dos réus entre os dias 20 e 22 de março. No primeiro dia já houve problemas de conexão que atrasaram os trabalhos e permitiram a oitiva de apenas uma das testemunhas. No dia 21, novas dificuldades com a conexão à internet e apenas três testemunhas foram interrogadas. E ontem, 22, o ato precisou ser suspenso novamente porque não havia internet nos presídios federais. Para terem assegurado o direito de ampla defesa, é necessário que os réus possam acompanhar os trabalhos da Justiça.
Segundo nota da própria Justiça Federal do Amazonas, “em todos os dias houve problemas técnicos para a oitiva virtual das testemunhas”. Os problemas ocorreram em Tabatinga, que tem um problema crônico de baixa conectividade, mas foram resolvidos por iniciativa da vara judiciária. A conexão com os presídios, entretanto não foi resolvida em nenhum dos dias. De acordo com o comunicado, serão designadas novas datas para a finalização das oitivas das testemunhas e interrogatórios dos acusados. Enquanto isso, as famílias de Bruno e Dom seguem aguardando por Justiça.
As audiências já haviam sido adiadas uma vez, em janeiro desse ano, pelo mesmo problema de conexão à internet nos presídios. Já são três meses de espera para que essa etapa do processo criminal, fundamental para o andamento dele, seja concluída. “Se o caso de Bruno e Dom é uma prioridade para o Estado brasileiro, o mínimo que se espera é que o Estado garanta a realização das audiências de instrução. Reconhecemos o empenho e a boa vontade dos servidores do Judiciário, fazendo o possível para o andamento processual, mas a completa falta de estrutura fornecida pelo Estado brasileiro é vergonhosa”, disse o advogado João Bechara Calmon, assistente de acusação que assessora a família de Bruno Pereira no processo criminal. O advogado da família de Dom Phillips, Rafael Fagundes, lamenta a falta de estrutura que causou o atraso no cronograma das audiências e espera que esses problemas sejam solucionados o mais rápido possível para que a instrução processual possa continuar de forma célere e sem sobressaltos.
O Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Isolados e de Recente Contato – Opi, organização fundada por Bruno Pereira considera que a lentidão do processo judicial, provocada por um problema de estrutura da administração penitenciária federal e do poder judiciário, envergonha a sociedade brasileira.
Para o Opi, a justiça que tarda submete as famílias e os amigos de Bruno e Dom a um sofrimento maior e desnecessário, que poderia ser evitado com medidas concretas e simples. Lembramos que ainda falta a elucidação completa do caso, com a responsabilização de todas as pessoas envolvidas nos crimes. Se o julgamento dos três executores atravessa dificuldades como essa, como poderemos acreditar no julgamento dos mandantes? Lembramos também que a dívida do estado brasileiro com o Javari não se resume à solução dos assassinatos de Bruno e Dom, sendo necessária ainda a resolução do crime que vitimou o indigenista Maxciel Pereira, em 2019, e o desmonte das quadrilhas criminosas que continuam assolando o Vale do Javari.