The Opi – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato recebeu com preocupação a decisão liminar proferida pela 6ª Vara Federal do DF, que decidiu manter a nomeação do missionário Ricardo Dias Lopes para a Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai.
A nomeação foi contestada pelo Ministério Público Federal, que pediu à Justiça que suspendesse o ato em caráter liminar (provisório) e, em seguida, revogasse de forma definitiva a portaria que o publicou.
A decisão liminar afirma que Dias Lopes goza das exigências formais necessárias para a nomeação. Apesar da análise formal, a decisão não enfrenta, contudo, o fato de que o regimento interno da Funai fora alterado seis dias antes da nomeação de Dias Lopes, para que o cargo de coordenador-geral de índios isolados e recém contatados pudesse ser ocupado por pessoas de fora do quadro da administração pública. Antes da alteração no regimento interno da Funai, a coordenação estava regida pelas Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE), o que obriga a nomeação de um servidor público concursado para o posto. Para além disso, há tradição historicamente consolidada na instituição de que o nome do Coordenador-Geral seja aceito pelos 11 chefes das Frentes de Proteção Etnoambiental – FPEs, unidades descentralizadas da Funai especializadas no trabalho com povos isolados e de recente contato.
O cargo assumido é dos mais delicados da Fundação, pois trabalha com informações sigilosas de extrema importância, como, por exemplo, a localização exata de tais povos; uma das inúmeras razões pelas quais exige-se a experiência prévia do ocupante do cargo em atividades na CGIIRC e nas FPE. Há uma série de delicadas atribuições da CGIIRC a qual requerem, na mesma medida, a atuação de experientes profissionais no assunto.
Ademais, o setor é o responsável pela análise dos pedidos de autorização de ingresso em terras indígenas onde encontram-se povos isolados e de recente contato. Ressalte-se que este é exatamente o setor responsável pela fundamentação técnica que ensejou inúmeras negativas de pedidos de ingresso de missionários nesses territórios, para impedir atividades de proselitismo religioso.
Além disso, o coordenador da CGIIRC tem o poder de aprovar estrategicamente as expedições para localização de índios isolados na Amazônia. Atualmente, existem 86 registros da presença de índios isolados no Brasil que carecem de pesquisas para sua confirmação, alguns localizados em regiões com grandes fazendas de poderosos proprietários de terras. A letargia, a omissão ou ou a decisão errada podem provocar o desaparecimento de grupos de indígenas isolados existentes nessas regiões, como já ocorreu inúmeras vezes na história da Amazônia.
A delicada operacionalização das 20 Bases de Proteção, estruturas do Estado localizadas na floresta para proteção dos territórios dos povos isolados e de recente contato, e a decisão das ações de vigilância e operação de fiscalização para desintrusão de infratores próximos a esses indígenas são gerenciadas pela CGIIRC. Os processos de licenciamento de empreendimentos em regiões com a presença confirmada, ou em investigação, de povos isolados também passam pela análise do Coordenador-Geral. A emissão de Atestados Administrativos e de Reconhecimento de Limites sobre a localização de imóveis rurais em relação a presença de índios isolados para regularização fundiária das propriedades, é mais uma delicada atribuição da coordenação. Toda a construção das normativas que amparam a política pública para esses povos é formulada na CGIIRC, bem como a elaboração de procedimentos para a consulta aos povos de recente contato, e para o estabelecimento de Programas específicos para esses povos. Por fim, deve-se destacar que todo o trabalho de embasamento, decisão e preparação para a realização de contatos com grupos isolados é elaborado atualmente dentro da CGIIRC e, em teoria, em consonância com o Conselho da Política de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato – atualmente extinto.
Compreendemos a preocupação do Judiciário com a intervenção em atos discricionários do poder Executivo, todavia o atual contexto de desmonte dos direitos humanos empreendido pelo governo têm demonstrado que a análise judicial meramente formal não tem sido suficiente para dar conta das complexidades que se apresentam e impedir o retrocesso em conquistas primordiais. A análise da capacidade técnica de Dias Lopes não pode se resumir aos títulos acadêmicos que, embora importantes, não são, para este cargo, suficientes. Este é o grande desafio que o Poder Judiciário tem diante de si, uma vez que as práticas de erosão dos direitos humanos não está se dando por atos meramente legais. Assim, o Opi expõe publicamente suas reflexões, com a confiança de que, na análise do mérito ou de eventual recurso, o Judiciário conseguirá transcender a apreciação formal e debruçar-se sobre o caso com a profundidade que merece.
Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato – 21 de fevereiro de 2020.