Nota de tristeza e revolta do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato – Opi
Nós, ativistas do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, hoje enterramos Bruno, nosso irmão mais velho. Hoje, a terra onde ele nasceu o recebe, seu corpo reencontra o barro, as raízes das plantas, a água e o calor do solo. Seu corpo carrega o perfume salgado do mar e o aroma denso da mata que ele defendeu até que os destruidores da floresta o mataram de forma traiçoeira. Nossos olhos misturam lágrimas de tristeza profunda e de revolta intensa. Mataram Bruno e seu amigo Dom à beira do rio Itacoaí, numa manhã de domingo de fim de inverno, quando ele voltava de uma temporada junto aos seus melhores amigos, junto aos seus melhores mestres, com os quais ele aprendeu a entoar os cantos da festa.
No Itacoaí, quando Bruno e Dom foram mortos, os frutos da munguba pontilhavam a margem do rio com sua cor de urucum. Como cacau magenta, os frutos se abriam de repente e espalhavam pontinhos de algodão branco no igapó. Flutuavam vagarosamente no ar e caíam sobre a superfície da água, formando constelações. Os pontinhos de algodão são sementes, geram vida. De um fruto que abre, centenas, milhares, milhões de sementes vestidas de algodão se espalham pelo mundo do igapó e além. O mundo é um igapó, e Bruno é um fruto de munguba que se espalhou.
Com os povos indígenas do Javari, Bruno passou urucum no corpo para ficar mais bonito à luz do sol e à luz da lua. Com eles assou matrinxã nos moquéns da aldeia, alegrou-se com a chegada das antas capturadas pelos bons caçadores, deu risadas alegres e sentiu o prazer da fartura e da dança. Com seus amigos indígenas tomou banho no igarapé, inalou o tabaco que abre os olhos do coração e escutou histórias antigas e novas. Foi nas matas, rios e lagos da Amazônia onde Bruno sentiu o gosto agradável da bacaba e do buriti, ouviu o grito atrevido do gavião-real e o grasnar das araras-vermelhas, aprendeu a reconhecer a trilha que os queixadas abrem na floresta e que os cardumes de piaus traçam no leito do igarapé.
Bruno era grande e forte de corpo e de alma, sua voz era firme para estar junto na defesa da terra e suave para encantar-se com a beleza dos povos da floresta. Era incapaz de permanecer em silêncio quando a avidez e a violência do Estado e dos predadores da mata arrancavam a vida das terras indígenas. Ao mesmo tempo, ouvia calado a voz dos mais velhos nas aldeias, e aprendia deles outras maneiras de resistir no mundo.
Bruno teve uma paixão imensa, uma emoção que ele fez transbordar a tantas pessoas de tantos lugares: soube que no coração da mata os povos indígenas isolados lançavam seu grito de recusa contra a violência invasora. A voz dos povos indígenas isolados, daqueles que duramente sobreviveram a massacres e pestilências nossas, ecoou pelo mundo afora porque Bruno espalhou seu desejo: o desejo de deixá-los em paz, sem os burocratas do Estado, sem as fardas de militares que empunham armas, sem as cruzes sagradas das missões da morte, sem o brilho de ouro falso do capital insaciável.
Nossa tristeza é imensa como o dossel da floresta, nossa raiva é forte como a raiz da castanheira. Nossa ternura é limpa e abraça a Bia, aos filhos de Bruno, a toda a sua família, a aldeia infinita dos seus amigos espalhados pelo mundo. De nossa parte, continuaremos a luta, estamos em guerra, não vamos parar! Onde cai um, surgirão muitos outros, tenham certeza, “simbora”, como diria Bruno. Não vamos esquecer quem verdadeiramente matou nosso irmão mais velho, jamais!
Adeus para sempre, Bruno. Seguirá havendo cantos nos terreiros, seguirá havendo flechas nos arcos, seguirá havendo espíritos que habitam nas florestas. Os inimigos dos povos do Javari vão fracassar. Com todos os sonhos indígenas, estás também nos nossos sonhos. Plantado hoje na terra como maniva, vai fazer germinar mais florestas, vai inspirar mais vida nas aldeias que te acolheram. E vai ter milhares de centímetros a mais de terra indígena na Amazônia.
24 de junho de 2022
Que belo texto! Uma ode de despedida cheia de poesia, saudade, tristeza, sede de justiça e esperança. “Onde caiu um, mil brotarão!” Com outras palavras, é o que peço todos os dias, desde que Bruno e Dom foram martirizados. Sim, eles são mártires da Amazônia!
E o Espírito dos mártires não conhece limites, medidas nem fronteiras. A luta de Bruno tornou-se mata, rio, povos originários, Natureza! Amazônia. AmaTerra! A única esperança de salvação da Vida no Planeta, de onde podem brotar novas e boas sementes. Como disse a jornalista Eliane Brum, que cito livremente, “o Brasil ainda não se deu conta de que o seu valor é estar na periferia da Amazônia”. Ao tornar-se “encantado”, a saga de Bruno multiplicar-se-á na face da Terra… Sua força é tão poderosa que nos chama para si, apodera-se de nós, assim como fez o povo Xukuru, chegando de longe, tomado pelo chamado de un dos seus, tomando-o para si, para o seu louvor: “Mas cadê irmão que não vem brincar mais eu?” Sim, finalmente o seu irmão estava ali. No Céu dos encantados. Ou será que pode existir um lugar, um momento que seja mais parecido com o Céu do que aquele encontro final do Amor entre irmãos que se despedem? O canto e o acompanhamento dos maracás velaram Bruno. Velem por nós. Amém!
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